Os selos e as bolsas
Por Cidinha da Silva
Aquele era o dia de ir aos correios
postar livros autografados na hora do almoço, para encontrar os guichês vazios.
Naquele bairro todo mundo era envolvido com o comércio on line e as duas
agências postais ficavam lotadas à tarde, principalmente a não terceirizada que
aceitava pagamento feito por cartões de crédito.
A escritora já havia notado que
no último mês os atendentes não selavam mais os envelopes, mas achou que fosse
algum novo esquema fordista no qual cada funcionário realizava uma etapa do
serviço e, em algum momento, alguém deveria selar as cartas e encomendas. Naquela
sexta-feira ela se descobriu equivocada.
Maria Helena, a atendente
simpática, conseguia conversar naquele horário de caixa vazio e deixou escapar
um “ele não está me dando o selo”. Tratava-se do programa de computador que
definia quantos selos e de que valores a funcionária deveria colocar em cada
carta ou caixa. Antes que ouvisse qualquer coisa do lado de lá, completou:
“também, o governo está acabando com os selos”. “Como assim”, não vai ter mais
selo? “Não. Como é que pode, né menina?
Esse governo está acabando com tudo”. “E os filatelistas”? Foi a única coisa
que a escritora conseguiu dizer enquanto juntava as peças do quebra-cabeças.
“Vão colecionar selos de outros países e guardar as relíquias do tempo em que o
Brasil os tinha. A filatélica central no Vale do Anhangabaú já fechou e as
outras serão fechadas logo”.
Os filatelistas e o povo do País
do Golpe perdiam um importante registro de sua cultura, de sua História. Selo é
isso, no mundo inteiro, contudo, o País do Golpe não pensava assim. Esse País podia
prescindir também de financiar a formação acadêmica de milhares de pessoas via
bolsas de estudos concedidas por uma instituição chamada CAPES -Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, numa forma de redistribuição de
dinheiro público oriundo dos impostos pagos por mulheres e homens entristecidos
e atordoados pelo desmonte do Estado em todos os níveis, dos selos às bolsas de
estudos e pesquisa.
Os viventes do País do Golpe já
se arrastavam como aquela última personagem que sobrevive a um filme de terror,
sem forças, sem ânimo, assustada, temerosa de que o filme se repita.
O problema é que o filme de
terror não para de rodar, é um rolo compressor. O projeto é não deixar pedra
sobre pedra nas universidades públicas federais, entrega-las à iniciativa
privada e torná-las hospedeiras das elites e de seu modo de vida parasitário. E
subordinar o povo do País do Golpe a outros países que produzam ciência e
tecnologia.
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