As contas do meu rosário são balas de artilharia
ESTÁ AQUI NA PAUTA “ESCREVER SOBRE O ITAMAR VIEIRA JÚNIOR NO RODA VIVA”, mas ainda não assisti (nem a live da Bethânia eu vi), tampouco li Torto arado (li A oração do carrasco). Tenho preguiça de ler livros quando estão muito badalados, deixo a poeira baixar, gosto de me governar embora isso me faça comer mosca ou fazer cara de paisagem em rodinhas literárias.
No final de 2020, por exemplo, um blogueiro estrangeiro, desses que acham o máximo chamar escritora no privado para trocar impressões literárias comentou sobre uma autora X. Eu achei que o rapaz estivesse fazendo aquela confusão racista básica de trocar o nome de pessoas negras e respondi, “não conheço, é brasileira?” Ele deu uma aula sobre a escritora, desbancou minha pretensa ironia e tive de engolir o veneno da vingança que ele borrifava com álcool 70% em meu rosto desmascarado.
Muito bem, ossos do ofídio, não é Marcelino? É uma delícia conhecer as pessoas antes da grande popularidade, mesmo que não sejamos amigas, pois ali a gente acessa traços de caráter que, como tais, tendem a permanecer em todas as etapas da vida. Conheci o Itamar em Salvador, nos esbarrávamos em fila de gargarejo para pegar autógrafo de autoras e autores que gostávamos e estavam de passagem pela cidade. Sempre trocávamos um sorriso, uma palavra. O Itamar é aquele cara simpático, gentil, disponível, mas austero, reservado e autônomo.
Autonomia é um troço que incomoda, principalmente nos regimes cartoriais do dono da bola, das pequenas autoridades e da organização do mundo em clubes de interesse. Aquele pessoal que até te chama para brincar porque você é útil, porque empresta ares de diversidade ao time e na real, na real da real, eles nem acham que você sairá do lugar dos favores que eles julgam ter prestado a você. E se surpreendem quando você decola, voa e eles te perdem de vista no céu, mas acham que podem puxar a cordinha dos “favores devidos” e você prestará vassalagem. O Itamar se posiciona de maneira elegante, é angoleiro, jaremeiro, mineiro sendo baiano, mesmo com quem só entende a linguagem das voadoras.
Além dos ataques da plebe rude, Itamar é alvo da voracidade das cobras grandes. Vamos combinar, esse homem negro jovem ganhou a tríplice coroa: LeYa, Jabuti e Oceanos e não pediu música naquele programa melancólico das noites de domingo como fazem os jogadores de futebol, heróis por um dia, afro-indígenas como ele. Não, o sujeito é ousado, ele foi para o Roda Viva.
Itamar Vieira Júnior ganhou o LeYa, prêmio para um romance inédito. Ora, quem já publica em editoras dos conglomerados quer publicar logo e se tiver nome consolidado e o romance adequado ao momento, tem as condições principais para gozar dos esquemas mais eficazes de marketing literário do ano que, entre outras coisas, conformam aquela reserva moral dos prováveis ganhadores dos prêmios destinados a obras publicadas no período.
Itamar ganhou também o Jabuti, aquele de maior prestígio; não contente, ganhou o Oceanos, reino onde os membros do clube imperam. Um de fora, um desconhecido sem carteirinha, um raia-miúda, porque mesmo doutor, um preto será sempre um preto. E o que ele ganhou minha gente? Um doce para quem adivinhar. Prestígio eles até suportam que a gente ganhe, mas o Itamar ganhou dinheiro, principalmente no primeiro e no terceiro prêmios, tocou o vespeiro da cobiça.
Findo esse exercício raso de dissecação da anatomia do ressentimento e da inveja no clube das cobras grandes clamando pela ajuda de Djonga, vem irmão: “Firma, firma, firma: fogo nos racistas”!
Arte: @bordado_do_homem
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