Crônica de Cidinha da Silva no Jornal Rascunho: Peito Nu
Peito nu
O ridículo que ronda alguns homens ao exibirem o corpo em situações impróprias, como se fossem os donos do mundo
CIDINHA DA SILVA
SÃO PAULO - SP
# CIDINHA DA SILVA, CRÔNICAS, EXCLUSIVO SITE
Ilustração: Eduardo Mussi
05/04/2024
O título era bom, mas não estava convicta de que o assunto rendesse um texto redondo. Sou daquelas que precisam de algumas certezas para iniciar uma crônica, pois não tenho tempo para apagar tudo ou deixar o projeto pela metade, até decidir desenvolver outra ideia. Resolvi arriscar.
O tema era o incômodo produzido por um professor, orgulhosamente quilombola, participante de uma reunião online de educadoras e outras pessoas interessadas na minha literatura para infâncias. A princípio, ele fechou a câmera, ligeiro, parecendo que fora um descuido, mas, para surpresa de todas, voltou como havia saído, sem camisa.
Não existia, de minha parte, uma patrulha corporal ou puritanismo, mas ninguém vai para uma situação formal como uma entrevista de emprego, uma sala de aula, seja como professor, seja como aluno, uma reunião com colegas professores, uma aula online da faculdade durante a pandemia, de peito desnudo. Espalhava-se ali, falta de etiqueta com o grupo, com a coordenadora da atividade e desigualdade de tratamento às mulheres, uma vez que também elas morrem de calor, mas sabem que não podem mostrar os peitos nessas situações formais. Os garotos, contudo, se autorizam a exibir o corpitcho sem preocupações.
É algo mais comum do que imaginamos, os garotões se acham mesmo reis. Durante a pandemia, por exemplo, eu participava de uma sala de vídeo semanal com um grupo de mulheres negras e uma das integrantes trabalhava no quarto que dividia com o marido. Este, várias vezes entrou no recinto para buscar coisas no armário (isso já a atrapalhava) e não nos poupava do constrangimento de tirar a camisa, escolher outra e vesti-la de frente para a câmera, abotoando botão por botão. A companheira olhava para ele em desalento, mal acreditando no comportamento do marido-filhão a quem ela precisaria ensinar boas maneiras fora da câmera.
Eu me vingava, mesmo compreendendo a consternação da colega, todas compreendíamos. Era preciso reagir porque aquilo, além de ser uma demonstração de insegurança do varão e sua masculinidade frágil, era uma atitude de desprezo à esposa e a nós. Imagino que ele abriria mão do exibicionismo caso ela estivesse num encontro que ele considerasse sério, no qual sua atitude pudesse prejudicá-la profissionalmente. Eu fechava a câmera, o áudio e os olhos e o imaginava vestido de cropped, daqueles que os jogadores de futebol estão usando agora. Pelos saindo por todos os lados da peça; um ursinho pimpão ele era. Na minha fantasia ele dançava como Carmen Miranda e equilibrava laranjas, abacaxis e bananas na cabeça, enquanto ajustava o cropped para disfarçar as gordurinhas.
Pena essa lembrança não ter vindo quando o outro se exibiu em nosso grupo de maioria de mulheres, podia ter sugerido a ele que comprasse na esquina um cropped azul-bebê de babados e lantejoulas e, depois de vestido, retornasse ao nosso convívio.
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