Recitação de passagem analisa obra poética de Edimilson de Almeida Pereira
“Quem não risca não sabe os rios da palavra, o
labirinto de haver escrito sem estremecer.”
Edimilson de Almeida Pereira, “Instrução do homem”
(Por: Heloisa Toller Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ).
"A densidade da escrita de Edimilson pode ser apreendida de um chofre, como uma revelação que acomete e atordoa. Pode, por outro lado, representar uma duradoura iniciação, um cauteloso aprendizado, pois que a sua poética é desdobrável em camadas de significados múltiplos que se entregam discretamente - mineiramente, diríamos - no “canto cifrado”, na “estética de ponderação”, de “parcimônia poética”, bem apontados por Maria José Somerlate Barbosa. Tanto o impacto quanto a lenta iniciação, ludicamente intercalados ou concomitantes, representam uma experiência de leitura que marca indelevelmente quem o lê - a partir de dentro: “o pai me instruiu que é por dentro/ a ebulição da lava”, adverte o poeta (Caderno de retorno).
É como testemunho de tal impacto, de tal iniciação, que o trabalho de Maria José se desenvolve, atentando às raízes afro-mineiras e da diáspora africana que alicerçam a obra (e não só a poética) de Edimilson; ao diálogo histórico e linguístico que ali relaciona as Américas, a África e a Europa; ao viés erudito da antropologia cultural e ao sabor do saber popular que a permeiam. Na verdade, pontua Maria José, “tanto o poeta quanto o antropólogo se nutrem do mesmo veio cultural e os dois bebem na fonte da linguagem, da tradição e da sabedoria popular”. (p.26)
Ao percorrer meticulosamente a poesia de Edimilson, a autora deixa patente a dramaticidade que nesta se inscreve (“... preparo um livro de cortar”, o poeta previne o leitor, em “Instrução do homem pela poesia em seu rigoroso trabalho” - citado em epígrafe), acoplada a um fino senso de humor que pode evocar Drummond ou Bandeira.
A tessitura poética da obra de Edimilson extrai sentidos escondidos nos “vãos das palavras” e “escava veios impregnados de matéria poética”, gerando um “significado sempre adiado no infinito jogo de significações”, observa Maria José, que chama a atenção para os “deslocamentos linguísticos e para a criação de metáforas inusitadas” que constroem essa poesia singular. Ao remeter a sua escrita a pensadores da contemporaneidade e a entrevistas com o próprio poeta, ao estabelecer pontos de contacto entre a obra de Edimilson e a de outros poetas e romancistas, brasileiros ou não, ela baliza e enriquece a teia interpretativa em que desenvolve a sua análise.
Um dos achados do presente trabalho diz respeito à “ginga poética” de que se serve a autora para abordar os “textos bailarinos” de Edimilson, onde “as oposições são instáveis e reversíveis e os significados são capazes de subverter e desestabilizar hierarquias dominantes” (p.25). Como exemplo: o já mencionado livro-poema Caderno de retorno esboça um “retrato do Brasil às avessas”, redefinindo o país “das margens para o centro”, ela comenta, “examinando-o por meio de muitos discursos e ao som de várias línguas e vozes” (p. 130). Em suma: rejeitando quaisquer essencialismos, o universo poético de Edimilson de Almeida Pereira é capaz de estabelecer, na consciência da hibridez da (nossa) cultura, um “canto de desafio e um diálogo com as articulações sociais e culturais brasileiras e de outras partes do mundo” (p.118). “O sentido escorrega para as coisas que retemos e nos transformam em textos”, esclarece (e intriga) o poema em prosa “Iteques” de Edimilson -enfocado, entre tantos outros, por Maria José.
Ao expandir com igual força e delicadeza o seu discurso crítico, Maria José Somerlate Barbosa entrelaça-o ao do poeta, em feliz e mutuamente esclarecedor diálogo que encoraja o intercâmbio do pensamento crítico com a poesia, da poesia com a crítica, ambos abarcando, em sua dinâmica, o leitor".
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