O ano em que nos proibiram o sonho e a alegria

Cidinha da Silva: O ano em que nos proibiram o sonho e a alegria

dezembro 30, 2015 10:18
Cidinha da Silva: O ano em que nos proibiram o sonho e a alegria
2015 entrará para meu recordatório pessoal como o ano em que a mídia e a oposição politica direitista e corrupta proibiram as pessoas, via coação pessimista e projeção de números negativos, de expressarem alegria, realização e esperança
Por Cidinha da Silva*
O ano se despedia triste porque enxotado pela turma do quanto pior, melhor. Não era um adeus como o dos anos recentes em que as pessoas exoneravam o velho para dar lugar à esperança do novo. Não, dessa vez não.
As lojas estavam abarrotadas, tanto as ruas e feiras simples, nas quais impera o consumo popular, quanto as lojas de grife, passando pelos espaços de consumo dos remediados e medianos. Todo mundo comprando.
Os aeroportos lotados, cheios de populares, suburbanos, periféricos, negros, vejam vocês, negros, para desgosto dos que eram donos dos ares em outros tempos. Como resposta, discriminação racial a passageiros negros. Represália notória pela perda de exclusividade branca nesse meio de transporte.
Mas ninguém discrimina mais impunemente. Contra-ataque dos jovens artistas discriminados em voo da TAM, performance a escancarar a filiação aos que tiveram suas vidas roubadas pela polícia assassina, Cláudia Ferreira, DG, Amarildo, entre tantos.
Os aviões deveriam ser meio de transporte que encurta distâncias, oferecem conforto e celeridade a seus usuários, não é? Mas aqui, no Brasil Mestiço, ainda são objeto de ostentação.
As rodoviárias também lotadas. Os navios não sei, mas devem ter lotação esgotada para cruzeiros. O perfil de tripulantes deve ser igualmente novo. Os resorts e a rede hoteleira das cidades litorâneas tiveram lotação esgotada nos feriados ao longo do ano, não têm reservas disponíveis para o réveillon e meses de verão.
Os movimentos sociais ressurgiram com roupagem renovada e rejeição aos vícios antigos que tentaram manipulá-los. Jovens ocuparam escolas pelo direito de estudar e resistiram à truculência policial do estado de São Paulo. Meninas nos ensinaram o que é o comportamento de uma garota em estado de luta. Encheram nossos corações de júbilo e esperança. Jovens negras e negros travestidos de reivindicações estéticas ousaram gritar pela existência plena e bela. Contudo, ainda assim, ou talvez por isso mesmo, um mormaço abafado e peçonhento reprimiu nosso sorriso. Só falamos da crise política transformada pela mídia em crise econômica.
O velho movimento social também inovou, uniu gerações, fez Brasília e o Brasil abrirem olhos espantados para força motriz das mulheres negras, cujo número de assassinatos cresce assustadoramente a cada ano.
As chacinas contra os jovens negros continuaram a ocorrer de Norte a Sul do país. Muitas. Incontáveis. Apenas temos como resultado oficial 82 homens negros mortos a cada dia, alvo de violência, majoritariamente policial. A novidade é que os jovens sobreviventes, os que escaparam da morte, mas prosseguem na condição de alvo, estão se tornando sujeitos políticos que organizam a resistência. Em marcha pela vida, pela justiça.
As pessoas felizes (sim, elas existem), retraídas, camuflam-se pressionadas pelo medo-imperador, pela patrulha de direita que enquadra até Chico Buarque. Imagine se fazem isso com ele, branco, rico, bem-nascido, intelectualmente considerado, pleno de simpatia e cuidados por parte de quem o ama e tem representatividade política, pense  o que fazem conosco? Essa gente “diferenciada” que eles não querem como clientes dos mesmos aviões. E olha que reagimos, não somos postes, só amarrados ao poste por eles e sua moral seletiva.
Frente a esse estado de coisas tenho a declarar que afora as conquistas pessoais múltiplas e resplandecentes, a superação de questões difíceis, aquelas que janeiro após janeiro não desgrudam do nosso calcanhar; a abertura de novos horizontes, quantas vezes a gente estaciona e não enxerga um palmo a frente do nariz? A realização de sonhos, a gente que passa boa parte da vida sem o direito e sem o hábito de sonhar… Afora tudo aquilo que nos faz avaliar que determinado ano foi melhor do que outros, este 2015 entrará para meu recordatório pessoal como o ano em que a mídia e a oposição politica direitista e corrupta proibiram as pessoas, via coação pessimista e projeção de números negativos, de expressarem alegria, realização e esperança.
*Cidinha da Silva é escritora. Publicou, entre outros,Racismo no Brasil e afetos correlatos (Conversê, 2013) e Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasi (FCP, 2014). Despacha diariamente em sua fanpage
Foto: Pixabay

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