Os Desmandamentos

(Por: Geraldo Carneiro e Salgado Maranhão. Este manifesto se rebela contra a banalização indiscriminada da poesia e a palavra aviltada pelos demagogos, e é dedicado aos que julgam que ela não é passatempo de diletantes, mas artigo de primeira necessidade). 1- Mais uma vez virou moda dizer que a poesia agoniza, ou que a poesia morreu. E de fato ela sempre esteve morta para os não-poetas. E morreu também com Homero, com Dante, com Camões, com Baudelaire, com Drummond e com tantos outros, porque cada poeta é uma via, um beco sem saída. E a poesia é sempre plural: é o lugar dos paradoxos (viva Shakespeare!), do não-senso (viva Lewis Carroll!), mas também é o lugar da verdade. Quanto mais verdadeiro, mais poético, como dizia Novalis. Mesmo quando um poeta faz as suas conficções, acaba em verdades metafóricas. E, nestes desmandamentos, afirmamos que a poesia, quanto mais remorre, mais renasce. 2- É a linguagem que produz a realidade e a poesia. A poesia não tem camisa-de-força conceitual. Aos funcionários públicos da vanguarda, que se acham herdeiros do legado, ela finge que se dá, mas é só o discurso vazio do chefe da repartição. 3- A poesia é um problema sem solução. Felizmente. Ninguém tem a fórmula mágica, ninguém tem respostas para todos. Cada leitor que invente o seu mundo, e o desinvente a seu bel-prazer. Semelhante à culinária, cada qual que ache o seu tempero. Se for significativo, o erro vira estilo. Ou vice-versa. 4- A poesia pode tudo, só não pode ficar prosa ou senhora da razão. O novo não é reserva de mercado, nem nasce a priori. Há que se romper limites, correr riscos, ter lucidez na loucura. Mesmo que seja pelo avesso. (E, cá entre nós, não adianta ficar o tempo todo buscando o absoluto, porque isso já ficou obsoleto. Ao fim de tantos levantes, sejamos, também, irrelevantes.) 5- A poesia não é para quem a escolhe, mas para quem recebe o choque elétrico da linguagem. Não é poder ou privilégio, é um defeito que ilumina. Não vale transporte, não vale refeição, não vale copiar truques ou seguir tutores. Nem apelar, como os demagogos, para o amanhã. Mesmo porque já não há mais Canaã no Deserto dos Sinais. 6- Poema não é cadáver. É um artefato musical que sempre canta, mesmo quando tem horror à música. Quem busca entender o poema apenas cientificamente, dissecando sua morfologia como quem faz uma autópsia, perde a viagem. Conhecê-lo é entrar em seus labirintos, sem separar o corpo de sua subjetividade. 7- Não queremos a poesia prisioneira de uma única arte poética. Seremos clássicos e barrocos; pós-modernos e experimentais. Qualquer tema é e não é poético. Desde os pit-boys de Homero até a aspirina de João Cabral. Com talento, mesmo as formas antigas podem ser recicladas. Sem talento, nem com despacho na encruzilhada. 8- As influências, em geral, são bem-vindas, a não ser quando alijam a voz própria. Há poemas com tantas citações que, se extrairmos o que é dos outros, não sobra bulhufas. 9- Os conchavos e panelinhas fazem parte da natureza humana. Cada grupo tem o direito de inventar os seus heróis, para admirar a própria imagem no seu espelho narcísico. Mas o vôo do poeta é só dele e, sobretudo, da linguagem. A linguagem é o orixá, o poeta é o cavalo do santo. Ninguém é mais do que o que pode ser. 10- O problema da poesia não é só fazer bem feito, mas fazer distinto (no duplo sentido, que implica tanto em diferença, como em elegância). Ela é um exercício vital para manter o vigor da palavra. A poesia não é só questão de verdade, mas de vertigem. Por essas e por outras, é que somos poetas da vertigem: vertigem-linguagem, vertigem-vida. Último desmandamento: Pode jogar no lixo todos os desmandamentos anteriores, a não ser que haja sinceridade na poesia. Quem quiser adorar bezerro de ouro, que adore; quem quiser viver de pose, que mantenha sua prose. Mas que haja espaço e fé na poesia. E que ela continue a fabricar futuros, e, como fênix, se destrua e se reconstrua por toda a eternidade e mais um dia. "No Brasil dos anos 1970, escreveu a crítica Flora Süssekind, a marginalidade literária era tão prestigiosa “quanto uma tuberculose para os autores românticos”. Essa posição de heroísmo, que há três décadas espelhava um gesto crítico do autor, hoje se impõe a ele como realidade imediata e melancólica. E, se a literatura é marginal dentro da cultura brasileira, a poesia talvez ocupe sua periferia mais remota. Num país que ainda luta contra o analfabetismo, pode ser diferente? Sim, dizem os poetas Salgado Maranhão e Geraldo Carneiro (ao lado, em foto de Leonardo Aversa). Para os dois, a poesia tem seu lugar natural no centro dos debates — ao renovar a linguagem, aponta novos caminhos para a sociedade. Foi assim no romantismo, no modernismo, no concretismo, afirmam. Contra o marasmo atual (“um nada”, segundo Carneiro), os dois prepararam um manifesto intitulado “Os desmandamentos”, que será lido num grande encontro dia 10, às 21h, no Teatro Maria Clara Machado, com direito às presenças de Moisés (o ator Tonico Pereira), Oswald de Andrade e Olavo Bilac, além de poetas e atores. Numa conversa movida a garrafinhas de água mineral num bar da Urca, os dois falaram ao GLOBO sobre o que os incomoda no estado atual da poesia brasileira". O que há de errado com a poesia brasileira? SALGADO MARANHÃO: Estamos vivendo um momento morno da poesia carioca e brasileira. A poesia sempre comandou os debates, mas agora passamos por um momento em que ela não é relevante. Não é que não haja boa poesia, mas ela está muito pulverizada. GERALDO CARNEIRO: Houve essa pulverização. E uma coisa pior, que talvez seja reflexo disso: com a institucionalização da mentira no Brasil, a poesia ficou sendo uma espécie de reserva ecológica da sinceridade. Perdeu um pouco o lugar. É tão desimportante quanto a reserva dos botocudos da boca do Araguaia. Uma tribo em extinção. Essa irrelevância está ligada a uma mudança cultural ou tem a ver com o tipo de poesia que se faz? MARANHÃO: Ela perdeu o critério de qualidade. Como instituição, o poeta não está em lugar nenhum. Não há um lugar de excelência que ele possa disputar. Como não há uma exigência, fica uma coisa de que todos são poetas e ninguém é. CARNEIRO: Nós não queremos nos insurgir contra qualquer modelo poético. Hoje há uma falta de referências. A poesia caiu num nada, em que estamos vivendo. Por isso queremos fazer um manifesto que seja um divisor de águas na cultura brasileira. Como não estamos com essa bola toda, chamamos Moisés para ser o nosso porta voz e dizer nossos “Desmandamentos”. Como ele tem muito know how em abrir águas, esperamos que seja nosso divisor de águas e traga alguma luz para esse momento medíocre e confuso. Mas fazemos questão de não ditar um modelo. Queremos tirar da área essa banalização nefasta, a apropriação demagógica do discurso poético, e fazer com que ele, ressignificado, volte a ser a ponta de lança do debate político e poético da linguagem, que acaba refletindo na vida social e política do país. Há uma conjugação entre essas coisas que não pode se perder jamais. Quando Mallarmé falou em tornar mais puras as palavras da tribo, isso é fundamental para o exercício das coisas mais elementares da civilidade. Então, por trás do nosso manifesto, tem um desejo de fazer com que o país tenha um apreço maior pela linguagem. MARANHÃO: Hoje no país fala-se muito, mas é uma palavra aviltada. A palavra de demagogos, ou a da concisão, da vanguarda de repartição pública, a partir de parâmetros do concretismo. O concretismo prestou um grande serviço para a poesia brasileira. Foi um momento em que a poesia estava no debate, assim como no modernismo. Até a poesia marginal também tinha esse fulgor. Mas agora chegamos nesse mar quieto, sem onda, nesse marasmo. Esse marasmo não tem a ver com um certo ecletismo da nossa época, que vocês, ao falarem que não questionam nenhuma postura poética pois todas são válidas, acabam reproduzindo? CARNEIRO: Não. Nós queremos uma radicalidade em qualquer um desses procedimentos. Quando você propõe uma pluralidade indiferenciada, você está propondo nada... MARANHÃO: ...queremos que haja radicalidade na diferença... CARNEIRO: ...e que a poesia volte a ocupar um lugar fuindamental na discussão da contemporaneidade. Isso é uma tarefa complicada, e para isso convocamos também para nosso debate Oswald de Andrade e Olavo Bilac, que estarão lá caracterizados, cada qual com sua maneira de pensar a poesia, e farão parte do nosso debate. Inclusive porque um é um emérito necrófilo, Olavo Bilac, e o outro é um emérito antropófago. Então na pior das hipóteses, se não for uma boa discussão cultural, vai servir para alguém comer alguém (risos). MARANHÃO: Mas você levantou uma questão muito importante. Justamente isso, a gente quer que haja radicalidade na diferença. Acho até que há bastante diferença na poesia do Brasil. Mas eles estão muito rentes, não têm relevos. CARNEIRO: O concretismo voltou para a discursividade. A chamada poesia marginal partiu para a elaboração. Então o que está havendo é uma troca de lugares, uma espécie de changer de places de festa caipira. Está havendo um momento de perplexidade, indefinição e falta de radicalidade. Mas por que ser radical se tudo é válido? A radicalidade não pressupõe crítica, conflito? MARANHÃO: Nós estamos chamando para o conflito. Mas vocês não entram nele. CARNEIRO: Mas entraremos. Vamos xingar Oswald de Andrade, vamos xingar Olavo Bilac, vamos xingar nossos contemporâneos e eles nos xingarão também. O conflito é inerente à produção poética. Qualquer produção supõe isso. MARANHÃO: Hoje voltou um debate da época do concretismo de que a poesia palavra está morrendo, é desimportante. E nós dizemos que a poesia sempre esteve morta para os não poetas.Para quem tem o que dizer, ela nunca morrerá. CARNEIRO: Esses momentos de esterilidade se repetem, e neles é preciso apelar para a radicalidade, negar as negações do passado e afirmar novas afirmações. Desculpe a tautologia, estou parecendo um Wittgenstein da Urca, mas sem isso você não faz com que a poesia assuma o papel dela, que, como diziam as vanguardas, é tornar novo o discurso, fazer com que as palavras adquiram uma força não prevista até então. Nessa radicalidade, qual é a de vocês? MARANHÃO: Que a poesia não fale só das questões miúdas da vida, mas que fale também do sonho, da transformação. Há também esse discurso de que a poesia não pode falar de certas coisas. A poesia pode falar de tudo. Queremos que... CARNEIRO: ...que ela corra riscos, tenha coragem de assimilar a prosa, a loucura, os barbarismos. MARANHÃO: E que fale dos conflitos do momento em que se vive, do político ao estético. CARNEIRO: Não necessariamente no plano conceitual, mas dentro da linguagem. Que ela se abra para uma linguagem que não é asséptica, que não se deseja acadêmica, distante do mundo. MARANHÃO: Que ela se suje mais na vida. CARNEIRO: Que mergulhe nas impurezas do mundo. São ambições contraditórias: que ela seja absolutamente vital e também rigorosa. Os últimos movimentos poéticos se encastelaram em exigências que eram simplórias. Há no Brasil uma aproximação danosa da fala poética com o discurso teórico? CARNEIRO: Esse é um problema grave, do qual por exemplo eu sofro. Estudei na PUC muitos anos, fiz todas as cadeiras de graduação e pós. É uma doença da poesia brasileira, a famosa intertextualidade, que se tornou canônica... MARANHÃO: ...e que rouba a voz própria. Às vezes, se tirar o discurso do outro, não sobra nada. Mas vocês acham que isso é uma coisa específica do Brasil? CARNEIRO: É uma patologia brasileira. MARANHÃO: Em outros países da América Latina é diferente, há vigor. Não é uma coisa só estética, dissociada da vida. Nós queremos uma estética da existência, falar do aqui. O país está supurando desse discurso vazio e pobre. CARNEIRO: E ao mesmo tempo não queremos ter nenhuma afinidade linguística com demagogia. Estamos procurando um lugar extremamente problemático, contraditório, mas é o único que nos interessa. MARANHÃO: O Brasil tem essa riqueza da diversidade, essa riqueza erótica, telúrica. É um país vigoroso. Nós podemos ter essa força na poesia e já tivemos. Não tem um poeta que fale em voz alta. CARNEIRO: A poesia pode falar de tudo. Do íntimo, do sublime, do prosaico, do grotesco. A supressão de qualquer dessas modalidades do humano é uma tolice. E essa tolice tem sido praticada por todas as facções da poesia contemporânea no Brasil. É contra isso que nos insurgimos. Queremos o Frankenstein de todos. A poesia precisa ter essa ambição, que não é uma ambição de absoluto, mas de grandeza conceitual. MARANHÃO: Estamos perdendo essa seiva da identidade que já tivemos num determinando momento. Até o concretismo tinha isso, esse orgulho. Estamos perdendo, está ficando uma coisa flácida. Não tem um poeta que fale em voz alta. Essa identidade de que você fala é a identidade brasileira? MARANHÃO: Não. A poesia tem a ver com o lugar, com o país. Cabral é brasileiro, do mesmo modo que é universal. A poesia tem a ver com a linguagem do seu povo. Mas fala para o mundo, fala para todos, para onde quer que exista o humano. Você falou que a poesia brasileira tem se restringido ao miúdo, aos pequenos temas. Além da clausura da academia, vocês acham que há também um fechamento no intimismo? MARANHÃO: Sim. Há esse intimismo. Acontece o seguinte: a crítica discute que certos temas não são poéticos... ...há uma inversão? Antigamente o pequeno não era considerado poético. Hoje, o grande tema é que não é poético? MARANHÃO: Isso. Quando na verdade a poesia pode falar do pequeno ou do grande. CARNEIRO: De tudo. Do íntimo, do sublime, do prosaico, do grotesco. A supressão de qualquer dessas modalidades do humano é uma tolice. E essa tolice tem sido praticada por todas as facçlões da poesia contemporânea no Brasil. É contra isso que nos insurgimos. Queremos o Frankenstein de todos. Há uma setorização do poético? Poetas-especialistas? CARNEIRO: Tem, especialistas e grupelhos. Tem grupos que acham que a poesia tem que ser só a do demiurgo, ou só a da metalinguagem, ou a da concisão. Todas essas coisas são importantes, mas o que eu acho mais importante é que não se excluam essas possibilidades, se não fica um fazer poético totalmente dissociado da importância histórica que a poesia tem que ter. Mesmo que o circuito dela seja minúsculo, o que é inevitável, já que ela está criando uma nova linguagem, é fundamental que esse circuito seja vastíssimo do ponto de vista conceitual. A gente precisa fazer com que a poesia tenha de novo essa ambição, que não é uma ambição de absoluto, mas de grandeza conceitual. MARANHÃO: Quando há essa pulverização, é fratricida. Um grupo mordendo o outro por um espaço que não existe. CARNEIRO: O problema é que nem fratricídio mais tem. Não tem nem Caim e Abel, não tem nada. Por isso chamamos o Moisés. E também algumas deusas pagãs, cujos nomes manteremos em segredo para que os exus de Brasília não façam ebós mal despachados contra elas. MARANHÃO: Vai ser uma noite de confronto, mas de brincadeira e humor. A coisa foi ficando séria demais. Não pode brincar, porque o espaço é pequeno, a defesa de seita das correntes vai ficando muito sem humor. As pessoas vão tratando os outros como inimigos. Queremos brincar com isso. A poesia não é de ninguém, ninguém tem reserva de mercado. E o que vocês querem dizer quando falam em falta de critérios, de espaços de excelência? CARNEIRO: O espaço de circulação da poesia brasileira hoje é medíocre. A produção não é medíocre. Tem muito boa poesia, mas não está havendo critério para avaliar. Os craques da crítica hoje não escrevem mais. Davi Arrigucci, José Miguel Wisnik, Roberto Schwarz, Antonio Candido. Os grandes críticos do Brasil abandonaram os rodapés. O exercício da crítica tornou-se uma coisa de terceira categoria. Ainda há bons críticos. No suplemento de vocês tem o José Castello. Mas são críticos que trazem hoje também uma melancolia, como se fossem Fausto de Goethe. O Nelson Ascher tem escrito pouco. É preciso que nós também escrevamos, que a poesia volte a ser uma atividade central. Quando você se insurge contra o marasmo da linguagem, isso tem repercussões políticas sempre, que não passam pelo repertório vocabular que você usa, mas passa pelas práticas de linguagem. Quando o "Jornal do Brasil" fez o suplemento literário nos anos 1950, aquilo foi uma revolução na imprensa brasileira. São pequenas ações, que se dão num âmbito muito restrito, e que provocam reações fundamentais. Quem está fazendo hoje esse papel de crítica da linguagem demagógica? O CQC. A poesia é justamente isso, um custe o que custar levado às ultimas consequências. O demagogo lê aquilo, às vezes nem entende, mas diz “tem uns caras aqui prestando atenção na gente”. A peça do Vianinha e do Gullar, “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Aquela peça inibiu profundamente a direita brasileira. MARANHÃO: O problema é chamar a discussão para outro terreno. Hoje ela se dá ou no escracho dos programas de televisão, ou pela via demagógica. Falta essa discussão em que a estética esteja no primeiro lugar. O caderno do "Jornal do Brasil" tinha isso. CARNEIRO: Num nível em que o Estado brasileiro foi contaminado e teve que melhorar o nível da própria linguagem, para corresponder àquilo. Era lida por uma minoria, mas tinha um poder de formação de opinião e pressão política. Vocês falam nos problemas do excesso de seriedade, mas no Rio o que se vê mais claramente é uma tradição performática, da poesia associada a eventos culturais. Nisso também não há às vezes uma falta de rigor? CARNEIRO: Essas contradições são altamente estimulantes. Você não precisa assumir a postura de Moisés para dizer as coisas mais sérias. Como a semana de 1922, disse as coisas mais sérias, mais importantes, com humor, às vezes até forjando situações ridículas. A seriedade do discurso poético inclui uma corrosividade que na poesia moderna está muitas vezes ligada ao humor. James Joyce é um piadista. Robert Musil é um piadista. MARANHÃO: Não é um humor descuidado, mas que mostra até onde a língua pode ir. CARNEIRO: No "ABC da Literatura", o Pound diz que a pior ameaça para a litertura é a gravidade. Você assumir uma carranca e dizer “eu sou o detentor da verdade”. É que, quando criticam a seriedade, para quem lê nas entrelinhas parece que isso é reedição das antigas rixas entre poetas cariocas e paulistas. Vocês não fariam também uma crítica ao Rio? Não há um lado negativo na postura festiva carioca? CARNEIRO: Não... MARANHÃO: ...sim, quando leva às últimas consequências a banalidade. CARNEIRO: É, quando não tem conteúdo é horrível. Quando tem é uma maravilha. MARANHÃO: Quando fica só performático, frágil, frouxa... Nada contra a performance, mas queremos que tenha eixo, que tenha texto. Não há uma cultura de celebração mútua nesses encontros? CARNEIRO: Olha, eu por exemplo, adoro celebrar esse cara. Toda vez que vou falar poesia digo para chamar ele. É uma coisa talvez até de homossexual enrustido. Mas o fato é que é muito gostoso celebrar poesia. Tem pessoas taciturnas, macambúzias, que não gostam de celebrar nada. A vida para mim é celebração e a poesia para mim é celebração, uma festa dos conceitos, das palavras, dos neologismos. E existem também poetas do desespero e da solidão. Eu e meu amigo Salgado Maranhão, que é um poeta extremamente consistente, temos momentos de melancolia escrevendo. Não somos poetas alegrinhos. Não somos Oswald de Andrade nem Juó Bananère. Somos poetas que temos infelizmente uma dose de melancoilia e até depressão, mas a acelebração da vida e da festa da poesia, isso é maravilhoso MARANHÃO: Mas você chamou atenção para uma coisa importante do ser carioca. A cidade tem esse espírito, e nós estamos em sintonia com ele. Nós vivemos aqui e incorporamos essa natureza do Rio de Janeiro. Mas não queremos ficar nessa coisa... CARNEIRO:...do besteirol da beira-mar. Não. Mas se você está na beira-mar, então a beleza, você ter nossas deusas que estarão lá... Um moisés com uma batina e uma barba de Papai Noel. Você não teria o Tonico Pereira em São Paulo. Aqui temos esse humor que foi importante para a arte moderna. Erik Satie, todos os poetas do surrealismo, do dadaísmo, o James Joyce, depois que abandonou o bode da juventude. Essa alegria do verbo que se faz carne, é uma festa que o verbo se faça carne à beira-mar no Rio de Janeiro e que isso seja uma coisa relevante. E se for irrelevante, é aquilo que eu te falei. Tem lá os necrófilos e os antropófagos e alguém vai comer alguém. (risos)

Comentários

Nelson Maca disse…
Nossa... Vou ali escrever um poeminha menor medíocre.
Vai que isso pega!!

Nelson Maca

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