O museu como arma de resistência e memória de uma favela
Paralela a Avenida Nossa Senhora do Carmo, ao lado de um conjunto de apartamentos de classe média conhecido como “Belvedere”, á frente de uma barragem conhecida como Santa Lúcia, lá no alto, onde disputam espaços no aperto da passagem entre os becos e vielas: “kinder ovos” (coletivos que circulam na favela) carros, motos e gente, se chega ao “Beco da Santa Inês”. Neste Beco há, como venho vendo nesse curto espaço de tempo que ando pelos movimentos culturais nas periferias, um muro e nele um lindo grafite “esculpido” pelo artista da favela Santa Lúcia, o famoso “Pelé”, que identifica o Museu de Quilombos e Favelas Urbanos de Belo Horizonte, o “MUQUIFU”.
Nele fui rever uma grande escritora, Cidinha da Silva, que aborda de forma sempre crítica, atenta e contundente o nosso cotidiano, relacionando as questões étnicas, de gêneros, de sistema econômico vigente, com seu toque irônico, sutilmente ácido, diria eu, mineiro. Tratava-se da décima segunda semana nacional de Museus, onde havia uma rica programação, entre eles o diálogo “Coleções criam conexões”, antes do início ao diálogo visitei o museu onde fui recebida pela simpática e atenciosa curadora Lúcia, ela nos apresentou as exposições, o acervo, as exposições permanentes e transitórias.
Ela nos mostrou que todas as peças são doadas pelos moradores da comunidade e das comunidades próximas (no Morro do Papagaio há 05 vilas nas quais minha fragmentada memória só se recorda das: Vila São Bento, Vila Esperança). Há além da doação das peças um contexto e um motivo para que seja doada, como soubemos a história do Burrinho de carga, emblemática por sinal, que seria a metáfora da história de vida de um garoto de 12 anos que teve sua infância subtraída pelo trabalho infantil, carregando sacolas, o diálogo entre a peça e a pessoa é imediata.
Antes de prestigiar a escritora, assistimos a um vídeo que retrata o dilema que passam os moradores das comunidades Vila São Bento e Vila Esperança: a especulação imobiliária. Em época de grandes eventos, as problemáticas da nação saltam aos olhos, tornou-se gritante que estamos muito aquém do Estado.
Mil e quinhentas famílias serão retiradas destas vilas para a construção de um parque municipal, nos relatos de duas moradoras soube-se que havia um projeto de habitação popular que “contemplaria” quatrocentas e oitenta famílias, mas que não atenderia as demandas de cada família em particular, como por exemplo, a acessibilidade nas moradias, a resolução que se chegou, pelos depoimentos é que o município entendeu que, quem sempre morou em barracos e aglomerados, se “viraria” muito bem em apartamentos. Conclusão na qual eu cheguei e acredito que não me distancio da realidade.
E o MUQUIFU está na barragem de Santa Lúcia, para trabalhar a autoestima do morador de favela, devolvendo o que o cotidiano os rouba: o seu valor. Preservando suas histórias através de seu acervo, com objetos, fotos e vídeos, resgatando seu patrimônio imaterial, como vimos na exposição temporária “Meu Reino sem Folia” da fotografa e moradora da comunidade Bianca Sá, registrando a “Folia de Reis” celebração realizada em todo o final de ano e que se perdeu com a mudança e morte de seus moradores.
O museu se coloca na favela mais do que um aparato artístico, ele é engajado e tem toda uma representação social de resistência, um evento que por exemplo, seria, a principio, apenas um dialogo entre o acervo e suas conexões virou um importante momento de denuncia ao dilema que vive o morro hoje, com a famigerada especulação imobiliária.
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