Vivas à Biblioteca Inaldete Pinheiro


Por Cidinha da Silva



A primeira vez que estive com Inaldete Pinheiro foi em algum lugar da juventude no Rio ou em Brasília. Eu que descobrira o Baobá e falava sobre ele em alguma roda informal de conversa, tive por lá a escuta atenta de Inaldete. De pronto, ela me ofereceu uma muda de Baobá. Aceitei e para sempre guardei o presente, embora nunca tenha ido busca-lo.

Duas décadas mais tarde um amor do Recife nos reaproximou e como não tinha mais a terra para plantar o Baobá, não resgatei a grande árvore, mas conheci a Biblioteca Inaldete Pinheiro que mora parede e meia com a dona do acervo. Pude testemunhar sua alegria e zelo por cada uma das obras, fotografias e revistas, por cada um dos jornais, cartazes e outros documentos.

Inaldete Pinheiro no Recife, Mundinha Araújo em São Luís, compõem o grupo daquelas mulheres fantásticas, fundamentais na formação de diferentes gerações de ativistas e intelectuais negros, mas pouco presentes em coleções e obras de referência, pelo motivo simplório de não estarem articuladas ao sul maravilha e seus poderes de manter invisíveis ou projetar pessoas. Pouca gente sabe, por exemplo, que um texto de Mundinha Araújo, Doutora Honoris Causa pela Universidade Estadual do Maranhão, compõe o primeiro bloco de livros publicados pela Mazza Edições no início da década de 1980.

Poucos de nós sabemos também que Inaldete Pinheiro, depois de Ruth Guimarães, falecida aos 93 anos com mais de 40 livros publicados, é, provavelmente, a segunda escritora negra a publicar literatura para crianças no Brasil. Só a falta de circulação pelo sul maravilha justifica o desconhecimento da obra de Inaldete Pinheiro por parte de pesquisadoras e pesquisadores de literatura negra, bem como de programas e núcleos dedicados a essa mesma produção literária em diversas universidades brasileiras, o que não justifica, mas explica sua ausência da antologia Literatura e Afrodescendência (UFMG, 2010) que reuniu cem dos mais importantes autores e autoras de literatura negra no Brasil.

Um contemporâneo e conterrâneo de Inaldete Pinheiro, Lepê Correia, lá está. Mas Lepê, como a maioria de nós, circula, se mostra, põe os livros na cacunda e roda o mundo. É na circulação que se conhece um pesquisador aqui, outro ali e a obra da gente é estudada e ganha destaque.

É justo dizer que várias pessoas chamaram a atenção do grupo organizador da Antologia para a existência de Inaldete Pinheiro e então, o erro foi parcialmente corrigido com a inclusão de sua obra em dois volumes recentes publicados pela Pallas: Literatura Afro-brasileira - 100 Autores do século XVIII ao XXI e Literatura Afro-brasileira - Abordagens na sala de aula, organizados pela mesma equipe.

Por tudo isso, vivas e loas à Biblioteca Inaldete Pinheiro, resultado de 35 anos de militância política contra o racismo, de investimento na própria formação para formar outras pessoas, de participação horizontalizada em grupos de estudos e de tomada de atitudes e decisão, de construção de um caminho de liberdade que exaustivamente exaltou dois nomes, Carolina Maria de Jesus e Solano Trindade.


Disponibilizar ao público o acervo de Inaldete Pinheiro é contar parte da história recente do Brasil, pelos olhos, pelas escolhas literárias, teóricas, culturais e políticas de uma guerreira, na melhor acepção do termo. Lutar o bom combate é marca de Inaldete Pinheiro e a biblioteca que leva seu nome seguirá a mesma trilha.

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