Antônio Pompêo e a morte dos atores negros no Brasil
Por Cidinha da Silva
A morte quase sempre nos pega na curva, na volta da esquina. Na vivência do ordinário. Mesmo sendo um dos eventos mais seguros e aguardados da vida. Talvez por isso mereça o status de notícia se for violenta, dramática ou trágica.
Antonio Pompêo, reconhecido ator de 62 anos, morreu em casa. Aparentemente por razões naturais.
Reconhecido por quem? Pelos seus, provavelmente, para os quais o brilho do personagem Zumbi dos Palmares, de Cacá Diegues, foi a interpretação mais marcante. Jamais esquecida pelos que o amaram e presenciaram tristeza, angústia devido aos parcos papeis relevantes interpretados ao longo da carreira. Sem abordar as dificuldades materiais decorrentes. Pelos poucos convites para trabalhos grandes e representativos.
Reconhecido também pelos colegas de profissão. Pelos que o conheceram como artista plástico e como gestor de cultura.
Ora, dirão alguns, são inúmeros os artistas talentosos a sofrer por não serem suficientemente aproveitados. É verdade, responderíamos. Mas o artista negro vive coisas específicas que vão minando suas forças e levam muitos deles a desistir da carreira precocemente.
A veterana e combativa Zezé Motta, por exemplo, conseguiu construir uma narrativa vitoriosa em cenário adverso. Nem todos conseguem. Muitos sucumbem. Manteve-se em cena, mas precisou sobreviver a um tempo em que só uma atriz negra por vez atuava em novela. Não havia espaço para a performance paralela de outra. Como se o público só suportasse uma cara de mulher negra por vez, de acordo com a leitura dos programadores de TV.
Sobreviveu ao primeiro convite depois do sucesso estrondoso de sua interpretação de Xica da Silva, outra vez de Cacá Diegues: uma empregada doméstica, que entrava e saía muda de cena, servindo cafezinho e recolhendo xícaras.
Tem sido assim para atores e atrizes negros. Precisam dar tudo em um papel, pois já sabem que existem poucos papeis para negros fora dos produtos audiovisuais que tratem de escravismo colonial, massacres urbanos, violência, miséria (papeis secundários e figurações) ou situações históricas específicas.
Surpresa para muitos, a situação não é tão diferente para artistas negros estadunidenses, como alertou Viola Davis, no momento de recepção do Emmy 2015. Faltam oportunidades de destaque para atrizes negras.
E mesmo alcançando a consagração como Xica da Silva ou Zumbi dos Palmares, talvez a atriz ou o ator negro não experimente mais na vida, convites para compor personagens igualmente grandiosos. Isso pode tirar a vida de muitos, aos poucos. Em movimentos lentos e perceptíveis apenas a quem vive a dor do ostracismo e aos amigos e companheiros de destino. Até o dia em que as luzes do set se apaguem por banzo definitivo.
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