Acharque racista em livraria de Brasília
Notícia divulgada na lista de discussão racial do Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil. "Ontem, dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, fomos à
*Livraria Cultura de Brasília** *e presenciamos uma cena, senão absurda,
criminosa - o lançamento de um livro intitulado "A revolução
quilombola", do jornalista (?) Nelson Ramos Barreto, que consiste em
desqualificar o pleito das comunidades quilombolas pela formalização da
posse de seus territórios tradicionais, com foco na crítica ao processo
de regularização fundiária destes grupos efetuada pelo INCRA por meio
deste Governo.
Fosse somente a divergência de posições a respeito da questão
quilombola, não nos admiraria. O mais chocante foi ver homens de terno
preto (fenótipo - brancos), com broches da *TFP* (Sociedade Brasileira
de Defesa da Tradição, Família e Propriedade), ao redor do "Príncipe
Imperial" Dom Bertrand de Orleans e Bragança, bisneto da Princesa
Isabel, discursando em prol dos "valores ocidentais" e do "direito de
propriedade", contra uma "reforma agrária negra".
Afirmando sempre que nunca houve "problema racial" no Brasil, o discurso
de tais senhores pregava que a mestiçagem deveria ser incentivada e que,
assim como o comunismo, a reforma agrária quilombola poderia matar
milhões de pessoas. Nem é preciso dizer que a base para esse discurso
ainda é o mito freyriano da mistura das três raças.
Esqueceu, talvez, de que os negros após a "abolição" foram deixados à
própria sorte, sem terras ou trabalho – quando se iniciou o processo de
incentivo à imigração européia para uma formação mais civilizada da
sociedade nacional (ideologia perene do branqueamento biológico e
ideológico). Na contracapa do livro, podemos ter um aperitivo "A bondosa
Princesa Isabel substituída por Zumbi, um escravocrata" (!).
23 nov (2 dias atrás)
perversos do evento era a presença de um único negro que
ficava parado como que exposto em um zoológico segurando o livro do
jornalista. Tivemos certeza de que se tratava de um show de horror
quando um dos jovens da TFP, também com seu terno e brochinho, nos disse "escutem o negro falar!"
Ao que foi constestado, retrucou "façam um
teste de DNA com os presentes nesta sala e vejam se existe raça!". O
referido negro disse ter sido discriminado em suas andanças pelo
Congresso Nacional por uma princesa da Etiópia.... Ele foi convidado a
falar no evento, prestando uma homenagem ao autor do livro. No entanto,
anteriormente aos discursos, circulava sozinho pela biblioteca. Em sua
primeira fala, chegou a dizer que os quilombos sempre foram uma "farsa",
pois os negros eram "obrigados" a fugir, contrariando seu desejo de
permanecer nas casas grandes, junto aos seus senhores. Chocante a forma
como o discurso estava descolado da imagem do sujeito. Muito triste ver
em operação uma manobra comum a esses movimentos, a cooptação de um
sujeito, com vistas à legitimação de um discurso contra ele mesmo.
Imaginem a violação psíquica que sofre esse sujeito se prestando a esse
papel.
Por fim, os homens nos cercavam dizendo coisas do tipo "por que vocês
não vão para Cuba?", ou "essas meninas são agentes provocadores enviados
por alguém". Aliás, éramos as únicas mulheres do local, exceto por uma
portuguesa bem jovem, provavelmente esposa de um dos nobres (?)
senhores, e as funcionárias da loja, alienadas ao que se passava. A
funcionária responsável pelos lançamentos de livros até tentou se
desculpar, mas também tentou se desculpar com a categoria de clientes
aos quais nos opomos. Não fosse nossa presença no lançamento, seria uma
turma de fascistas juntos, comemorando mais uma grande obra de Nelson
Barreto, que já escreveu contra a reforma agrária - detalhe: o princípe
desafiava qualquer "sociólogo ou economista" a citar um exemplo de
reforma agrária no mundo que tenha dado certo - e a favor do trabalho
escravo (!)
Registramos nossa reclamação na Livraria Cultura, da qual somos cliente.
Nos surpreende, ainda, que uma livraria com este perfil tenha aberto
espaço para um evento de caráter racista.
Algum intelectual sério foi
convidado para este evento? Por que o lançamento deste livro foi
agendado para o dia nacional da consciência negra? No mínimo, a
assessoria de imprensa da Cultura ou é muito ruim e desinformada, ou
também é racista.
É impressionante como este caso vem comprovar que existem pessoas
"saindo do armário" para demonstrar seus preconceitos, seus valores
fundados na exploração e violência (a exemplo das reações positivas ao
BOPE da "ficção", e negativas às cotas nas Universidades; dos
comentários sobre a fala do Governador do Rio de Janeiro sobre a
necessidade de legalização do aborto por causa dos filhos das favelas,
"naturalmente" marginais etc.). Outra coisa que isso nos mostrou: a
briga é feia".
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