Ano novo! Vida nova?
Por Cidinha da Silva
Um cheiro
repugnante de bolor toma conta dos primeiros dias do ano e traz a velha
desesperança.
O sítio Mercado Livre em lance de retorno ao mercado de escravizados oferece negros de várias utilidades por um real. Ativistas de direitos humanos, indignados, pedem que a peça publicitária seja retirada, exigem direito de resposta e o sítio se comporta como se nada de novo ocorresse em seu mundinho de brancos no poder e negros subalternizados.
A opinião de
usuários do sítio sobre o acinte racista reforça o silêncio confortável e
cúmplice da direção do mercado virtual: ora dizem que um real ainda é muito, tendo em vista
o baixo valor de um negro, ora investem
no tom jocoso da brincadeira supostamente inofensiva que irrita, apenas, aos mal
humorados de plantão.
Até que não estão
de todo errados quanto à inocuidade das brincadeiras racistas. Em qualquer
sociedade mais séria elas são inaceitáveis e seriam motivo suficiente para
varrer o tal sítio do mundo digital, mas aqui, na realidade brasileira, elas
são pilar de sustentação do racismo cotidiano, responsáveis diretas pela
naturalização das práticas discriminatórias aceitas pela maioria. Afinal, "eles não têm nada contra os negros, acham mesmo que cada branco deveria ter o seu."
Em Aratu, um
casal de quilombolas é interceptado, preso e torturado por integrantes da base
militar em litígio pelas terras do quilombo Rio dos Macacos. A Marinha do
Brasil, responsável pela ação, nem se dá ao trabalho de justificar o injustificável.
Em Natal, um
desembargador (negro) humilha aos berros o garçom de uma padaria que não
colocara gelo em seu copo a tempo e a hora. Exige reverência ao cargo. Ameaça
espancar o garçom e seu defensor. Dá voz de prisão a torto e a direito, movimenta-se
à direita, sempre, aciona viaturas de polícia e desanca policiais que atentos à razoabilidade não prendem ninguém.
O desembargador é a
representação clássica do oprimido que quando tem o poder nas mãos e ainda não
se libertou da opressão, torna-se opressor. Contudo, que a condenação à conduta
asquerosa deste homem negro não oblitere
outras dimensões raciais do caso, pois foram bastante significativos os
comentários veiculados nas redes sociais que atribuíram a atitude do magistrado
desumano à sua “falta de berço (ou
balaio) e à falta de traquejo que os emergentes demonstram com os títulos
recentemente conquistados”.
Nuvens de
mesmice conservadora encobrem o Sol trazido da Chapada dos Veadeiros. Só mesmo o
Sol-Madiba se põe sereno frente ao desmoronamento do mundo. A certeza de que ele
nascerá amanhã, outra vez e outra vez, é acalanto para os dias opacos.
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