O homem de camisa vermelha
Por Cidinha da Silva
O vermelho inundava a cidade. Festa de Santa Bárbara. Pelas
matas comida arriada para Iansã. Nas ruas, um ou outro espetaculoso dava santo
e os mais experientes na religião meneavam a cabeça, incrédulos.
O padre salpicava água benta de Santa Bárbara no ambiente e
quando respingava no povo era frequente ouvir baixinho “Eparrei Oiyá”! , era
também comum uma mão espalmada e suspensa pouco acima do ombro, logo convertida
no sinal da cruz.
A multidão rezava fervorosa e festeira. A chuva ameaçadora
caiu e a igreja se tornou o abrigo mais cobiçado. Fiéis se deslocavam no passo
das horas, resignados até chegar aos pés da santa. A visitante, extasiada,
registrava cada detalhe da fé transbordante.
Há três metros do local de consagração da Santa, passa uma
mulher agitada e avisa para que as pessoas tomem cuidado, um homem de camisa
vermelha está batendo carteiras. Ela desdenha! Tudo era vermelho à volta.
Chega sua vez de postar-se ao pé da Santa. Toca-lhe um
lugarzinho ao lado de um jovem senhor, cuja introspecção já havia merecido uma
fotografia. A posição dele é bem
confortável, os braços descansam à beira do andor e a cabeça repousa entre
eles. Ela segue o exemplo do homem, fecha os olhos para conectar-se
completamente com o Altíssimo. Terminada a oração, sai da igreja, nos mesmos
passos lentos da entrada, mais rica e alimentada pela fé coletiva.
O Sol reaparecera e ela leva a mão à blusa para pegar os
óculos escuros. Não estão lá. Olha dentro da bolsa, também não. Foi furtada
dentro da igreja. Que chato.
Paciência!
É o que recomenda a si mesma. Entrega-se ao deleite de revisar as fotos, repara
que registrou uma sequencia do rapaz concentrado, em oração. A primeira vocês
já conhecem. Na segunda foto só o braço esquerdo do fotografado apoia-se no
oratório, o direito pende, discreto. Na terceira imagem, a câmera flagra a mão
direita dele ultrapassando o sovaco esquerdo. Nessa hora ela entende tudo. O
homem de camisa vermelha.
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