Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!
Por Cidinha
da Silva
O ator da novela atirou na bissexualidade com a
intenção de atingir a heteronormatividade e o tiro saiu pela culatra. É que ele
pretendia afirmar a homossexualidade inequívoca de seu personagem, um homem gay
que, manipulado por uma das várias mulheres más da trama destrói uma relação
homoafetiva feliz, bem estruturada e amorosa, trocando-a por uma família padrão
de papai, mamãe e filhinho. Impensadamente, o ator disparou “a bissexualidade
não existe”.
Sim, não existe para seu personagem que é
gay-gay, mas se deixa seduzir pelo jogo de aparências heteronormativo. Mas, o apressado
decretou a inexistência da bissexualidade de maneira genérica e o mundo LGBT caiu
sobre ele. Como tudo o que está ruim ainda pode piorar, o moço cometeu a
deselegância de questionar a orientação sexual de uma cantora, acusando-a de
ser lésbica e não bissexual como alardeia. Deixe a moça, rapaz! Assim fica
parecendo que você a paquerou, ela não quis nada contigo e você, como o
policial civil rejeitado pelo objeto do desejo ao fim da balada, meteu bala.
Uma pena! O próprio emissor despotencializou a
segunda parte do discurso que era muito interessante, um crítica contumaz à
estruturação e aos destinos do núcleo gay da novela dados pelo autor e possivelmente
reforçados pelo diretor. O ator queria ver mais seriedade no trato dos
conflitos do núcleo gay, menos pilhéria e falta de compromisso com a construção
de relações familiares saudáveis entre os próprios personagens gays e também
com seus familiares diretos, pais, mães, irmãos.
Entretanto, ainda que, de maneira enviesada, o
depoimento bombástico do ator toca em questões submersas que a cada dia exigem
a luz do dia. Por exemplo, certo aspecto bipolar de muitas mulheres bissexuais
que gostam de mulheres entre quatro paredes e de homens no mundo público.
Homens que são apresentados à família, aos amigos de infância, que circulam com
elas, devidamente fotografados e postados na Internet. Ou ainda, o crescente
número de mulheres que se relacionam homoafetivamente com outras, não pelo
desejo, propriamente, mas por cansaço e frustração com os homens, suas
canalhices e despreparo para viver relações respeitosas com as companheiras.
Há muita coisa nebulosa entre o paraíso do “todo
mundo, no fundo é bissexual” e o inferno da “não existência da bissexualidade.”
A ver!
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