Niketche - uma história de poligamia
Bom dia! O livro de hoje (6o) é Niketche - uma história de poligamia, da moçambicana Paulina Chiziane.
Li este livro publicado em 2002, no fim de 2004 e foi uma leitura avassaladora. Em síntese, temos a ali a poligamia vista por dentro, pelo olhar de 5 mulheres casadas com um mesmo homem negro. 5 mulheres negras. Ele ainda terá uma amante, uma mestiça, que não é acolhida pelo grupo das esposas, tampouco terá voz no livro, como ele, o marido.
É bem provável que a leitura de Niketche tenha me autorizado a a experimentar e compor os textos mais criativos de meu primeiro livro, Cada tridente em seu lugar (2006). Ali iniciei uma trilha de diálogo e tensão entre tradição e contemporaneidade, manifestações da orixalidade no nosso cotidiano e aspectos das africanidades presentes em todas as dimensões de nossa vida em diáspora, consolidada e amadurecida nos livros Um Exu em Nova York (contos, 2018) e Exuzilhar: melhores crônicas de Cidinha da Silva (2019, no prelo).
Durante alguns anos tentei ver Paulina em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, os tempos de passagem pelas cidades eram próximos, mas eu nunca conseguia encontrá-la. Finalmente alcancei meu intento em 2014, em Brasília, entretanto, foi em 2016, na FLICA, em Cachoeira, que conversamos por longas e inesquecíveis 4 horas.
Foram muitos os assuntos: circulação dos livros dela pelo Brasil, descaso editorial; a obra e a persona de Chimamanda Adiche e outras autoras africanas; mídia e literatura; processos de escrita (dela); vida diária, família, espiritualidade, relação com a casa, a vida intelectual e política de Moçambique, as viagens dela pelas águas do Pacífico... Falamos muito também sobre Ana Maria Gonçalves, sobre o significado espiritual e político de Um defeito de cor, e o quanto Paulina achava necessário que esse livro fizesse o caminho de volta, que circulasse por África. Paulina falou bastante também sobre as culturas indígenas brasileiras e foi surpreendente para mim, acessar certo imaginário moçambicano criado em torno dos poderes mágicos desses povos.
Paulina deve ter-se cansado, porque a conversa teve certo formato de entrevista, como não poderia deixar de ser. Eu queria saber, saber, e ela, generosamente, falou o que quis que eu ouvisse. O cenário da conversa foi um almoço, no qual ela experimentou a ansiada e recomendada Maniçoba, bem pertinho do Paraguaçu. Como tarefa dada a uma mais nova, ela me deixou um presente a ser entregue à sua irmã querida, Conceição Evaristo. Deixei a encomenda em mãos desta, uns 3 meses depois, em João Pessoa.
Paulina é uma criadora de histórias sofisticada e se revela em plenitude no livro Niketche - uma história de poligamia, leitura imperdível para quem gosta de histórias envolventes e bem tramadas.
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