Mazza, pedra angular do Quilombo Grande!


“Quem foi que falou / Que eu não sou um moleque atrevido / Ganhei minha fama de bamba / No samba de roda / Fico feliz em saber o que fiz pela música Faça o favor / Respeite quem pode chegar / Onde a gente chegou / Também somos linha de frente / De toda essa história / Nós somos do tempo do samba sem grana, sem glória / Não se discute talento / Mas seu argumento, me faça o favor / Respeite quem pode chegar onde a gente chegou / E a gente chegou muito bem / Sem a desmerecer a ninguém / Enfrentando no peito um certo preconceito / E muito desdém / Hoje em dia é fácil dizer / Que essa música é nossa raiz / Tá chovendo de gente / Que fala de samba e não sabe o que diz / Por isso vê lá onde pisa / Respeite a camisa que a gente suou / Respeite quem pode chegar onde a gente chegou / E quando chegar no terreiro / Procure primeiro saber quem eu sou / Respeite quem pode chegar / Onde a gente chegou”.
Esta música de Jorge Aragão é uma tradução de Maria Mazarello, a moleca atrevida, criadora e mantenedora da Mazza Edições. Mazza é ousada, mas é modesta, ela nunca aconselharia a pessoas pretensiosas “quando pisar no terreiro, procure primeiro saber quem eu sou”, mas nós dizemos por ela, porque é preciso dar a conhecer o papel jogado por Mazza no mundo editorial brasileiro.
São quase 40 anos de vida editorial no coração das alterosas. Sabe lá o que é manter uma empresa ao longo de quase 40 anos de turbulência econômica, afora os oito do governo Lula e o primeiro governo Dilma? O que é sobreviver a Newton Cardoso como governador de Minas? À inflação do governo Sarney? Aos desmandos do Plano Collor? Ao neoliberalismo privatista de FHC e aos inomináveis oito anos de Aécio Neves em Ipanema, digo, no governo de Minas?
Sabe o que é manter uma editora dedicada a questões raciais e de africanidades no cenário editorial anterior à Lei 10.639/2003? Ah… não, desculpe, você não sabe!
Você que me lê e ouve não imagina a força-motriz que é Maria Mazarello Rodrigues, mulher negra de Ponte Nova (terra também do glorioso Reinaldo) que construiu uma empresa sólida, a Mazza Edições, sem lastro de herança econômica familiar. Estruturou o projeto na tora, no braço, no trabalho incansável para materializar um sonho de liberdade num país racista e cínico que negava a existência do próprio tema gerador da empresa, o racismo e todas as suas mutações.
Mazza é uma editora que inscreveu seu nome a ferro, fogo e boas conversas no cenário editorial brasileiro. Para falar sobre a memória do livro e do ofício de editá-los no Brasil contemporâneo é imperativo pronunciar seu nome e pesquisá-lo. Assim fez um grupo de estudantes de Tecnologias de Edição do CEFET MG, coordenado por Pablo Guimarães, que empreendeu num livro curto em tamanho e alargado de emoção, a trajetória vitoriosa de Maria Mazarello Rodrigues. A obra que leva seu nome integra a Coleção Edição e Ofício que conta ainda com outros três volumes dedicados a significativos editores mineiros.
De maneira muito sensível, a equipe de estudantes narra em primeira pessoa a confluência dos caminhos de Mazza, a mulher empreendedora, e da Mazza Edições, a editora. Tudo começa pelo sonho de estudar, acalentado por nossa heroína, seguido da decisão da mãe, Dona Amarilis, de levar toda a família de Ponte Nova para Belo Horizonte para alcançar o objetivo. A narrativa avança pelos planos de vida modesta que a leitura agigantou. Os projetos editoriais, dos quais Mazza participou na capital mineira, a Editora do Professor, a Livraria do Estudante, a Editora Veja, antes de construir seu próprio território.
O livro nos revela ainda o mestrado em editoração cursado na Universidade de Paris –XIII, um respiro francês nos tempos sombrios da ditadura civil-militar vigente no Brasil de 1964 a 1985. A volta ao Brasil. O sonho de edificar a Mazza Edições, um diálogo sobre liberdade com o povo por meio do livro. A primeira publicação: Assim se benze em Minas Gerais, de Edimilson de Almeida Pereira e Núbia P. Guimarães
É de tirar o fôlego. Mas se você acha que manter uma casa editorial como a Mazza Edições ao longo de quase 40 anos ininterruptos é para os fortes, está enganada. Fortes são os outros pequenos empresários como ela que sobreviveram. Maria Mazarello Rodrigues é mais. Ela é uma rocha tectônica do Quilombo Grande. É a massa atleticana gritando gol diante da poética de Reinaldo, mesmo que Mazza seja cruzeirense. Aliás, um defeito grave.

Cidinha da Silva é escritora. Publicou, entre outros, Os nove pentes d’África (2009); #Parem de nos matar! (2016) e Um Exu em Nova York (2018).

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