Resenha de livro novo de Cidinha da Silva feita por "As Letras Negras"
Oh, margem! Reinventa os Rios!
Cidinha da Silva
Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2020.
126 p.
Não tinha começado a ler propriamente o texto de Cidinha quando meu olho encheu d'água pela primeira vez, a gente engasga já na carta que abre o livro, de Maria Valéria Rezende. A autora menciona ferida ainda aberta, o assassinato de G. Floyd, embora nenhuma dessas feridas cicatrizem de fato. Como pode a menção a um fato tão conhecido e explorado ainda emocionar? Trata-se de identificação, com o desespero, desesperança, com o abatimento do luto sim, mas, acima de tudo, com a força e esperança de uma sentença "não voltaremos mais para trás!".
E esse ir pra frente, a reboque muitas vezes, acontece quando escutamos nossas histórias por nós mesmos, quanto dizemos o mundo tal como o vivemos e nos parece. Esse ir pra frente acontece por meio desta notável tessitura de histórias de Cidinha da Silva.
São vinte e dois textos divididos ao longo das quatro partes do rio, são histórias do cotidiano, em que por vezes é fácil nos identificarmos, como em "As latinhas”. A escrita é ágil, o olhar arguto, e por meio dele, mesmo nessas histórias por nós conhecidas, é possível perceber as tensões, os incômodos. Conhecemos as personagens, por vezes somos essas personagens e ainda assim Cidinha consegue desvelar algo de nós, como se nossa realidade fosse construída por camadas e ela as levantasse e revelasse sua constituição.
Por vezes os temas são pesados: desigualdade, racismo, morte. Não há como ficar imune, há momentos em que o estômago revira, o sangue ferve e a indignação nos atravessa. É o caso de "Thriller", a pancada que abre o livro, mas também de "Vocês não estão me ouvindo?" e especialmente de "O lugar de fala de quem se pergunta: em que inimaginável mundo novo vivemos?", pelo qual nutro acalentada revolta pela distorção de discursos, pela tentativa de deslegitimar e assim calar falas, um modo covarde de matar o ser no mundo do outro.
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