Água e óleo

As notícias da indústria do entretenimento aqueceram o início do inverno brasileiro. Particularmente aquelas advindas de seu principal movimentador de recursos, o futebol europeu. Em duas semanas, um clube de futebol movimentou 159 milhões de euros (432 milhões de reais) na transação de dois jogadores, o brasileiro Kaká, comprado pelo Real Madrid ao Milan por 65 milhões de euros ou 177 milhões de reais e, uma semana depois, a venda do português Cristiano Ronaldo pelo Manchester United ao mesmo Real Madrid, por 94 milhões de euros ou 255 milhões de reais. São números astronômicos, mas compatíveis com os bilhões de euros que o futebol gera por ano. A Fifa, por exemplo, movimenta mais dinheiro do que muitos países, além de ser uma das instituições mais ricas e poderosas do mundo. Enquanto isso, no futebol brasileiro, quatro jogadores do Flamengo, Adriano (o Imperador), Bruno, Ibsen e Emerson, resolvem, solidariamente, arcar com o salário do companheiro Alex Cruz até o final do ano, já que o clube o havia posto em lista de dispensa por falta de recursos para honrar salários. Outros dois companheiros, ao saberem da atitude solidária, juntaram-se a ela, a saber, Petkovic e Léo Moura. O valor do salário do moço? A bagatela de seis mil reais mensais, mil reaizinhos menos no gordo salário de cada um dos seis jogadores. Depois de sairmos dos números estratosféricos e posicionarmos a conversa em bases reais, podemos passar ao tema da literatura, ainda que sujeitos a traumas, porque os números continuarão discrepantes. Vejamos: mil exemplares de um livro que custe vinte reais perfazem vinte mil reais, certo? Destes, o autor ou autora tem direito a 10%, dois mil reais, portanto. Errou se você pensou que esse dinheiro é pago quando você assina o contrato, não, não, doce ilusão. O dinheiro vem pingadinho na sua conta, de ano em ano, de dois em dois anos e mesmo ao fim do terceiro ou quarto ano, em condições normais de pressão e temperatura, o autor ou autora ainda terá um bom número de livros no estoque da editora para vender. Um escritor disse um dia desses que é mais fácil esconder um cadáver do que vender mil livros. Você está se perguntando o porquê dessa lamúria toda, não é? Respondo: o primeiro porquê é o meu eterno choque com os números do futebol, seis mil reais mensais constituem um salário, ridículo, digamos. Depois, chega-me a notícia de que os ilustradores de livros para crianças e adolescentes estão se reunindo para reivindicar maior participação nas obras que ilustram, querem ganhar algo como direito autoral. Já deixaram nítido que não pleiteiam dividir o parco percentual dos autores (ufa!), mas querem um pedaço maior do bolo. É justo, é muito justo, é justíssimo. Resta ver como as editoras, aquelas que juram de pés juntos que não ganham dinheiro comercializando livros, reagirão. Afinal, o que couber aos ilustradores deverá sair da parte maior do bolo, ou seja, daquilo que até hoje tem sido delas, as editoras. Estamos de olho, não admitiremos nenhum centavo menos nos nossos míseros 10%.

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