“Só quero contar uma história que nunca foi contada", declara Mumia Abu-Jamal sobre seu livro novo
(Jailhouse Lawyers: Prisoners Defending Prisoners v. the
U.S.A. (Advogados na Prisão: Presos que Defendem
Presos vs. os Estados Unidos), City Lights Books,
2009).> "O sexto livro escrito por Mumia Abu-Jamal
desde o corredor da morte é publicado justamente no momento
em que a Suprema Corte dos Estados Unidos lhe fecha a porta
na cara, rejeitando um pedido de recurso de Mumia para
que fosse repetida a fase do veredito do seu
julgamento de 1982, e a campanha para executá-lo novamente se
renova. O livro foi apresentado em 24 de abril na
Filadélfia, Nova York, Oakland, Detroit, Boston, Houston,
Portland, Los Angeles, Seattle, Olympia, Baltimore e
Washington D.C., para festejar seu aniversário e abrir uma
nova etapa na batalha por sua vida e liberdade.
Conta-nos que existem dezenas de milhares de
presos advogados nas prisões dos Estados Unidos. Pouco
conhecidos no mundo fora dos muros, são homens e mulheres
que demandam seus próprios casos, defendem outros presos ou
levantam ações para efetuar mudanças nas condições das
prisões. Com agudeza, respeito, empatia e humor, Mumia
apresenta as palavras e vivências de uma trintena deles,
alguns que ele conheceu pessoalmente nas prisões da
Pensilvânia e outros que lhe têm enviado cartas ou
respostas a suas pesquisas. A maioria, batalha em
terreno alienígena, porque não tiveram estudos
formais em Direito antes de ingressar na prisão; são
autodidatas e têm aprendido a lei sob a tutoria de outros
presos com mais experiência.
Diz Mumia: “Não se tem se esquecido de
lutar. Não se tem se esquecido de resistir. Não se tem se
esquecido de ajudar aos demais, em muitos casos as pessoas
mais indefesas. E não se tem se esquecido de ganhar...
Algumas destas pessoas têm salvado a vida de outras,
literalmente. Outras têm mudado as regras do jogo”. Para
agradecer-lhes seus serviços em proteger a Constituição,
as autoridades freqüentemente castigam estes advogados mais
que a qualquer outro grupo de presos.
Neste livro, conhecemos Steve Evans, que
estudou direito por conta própria e ensinou muitos outros
presos como disputar um caso – a todos, menos os
informantes e violadores de crianças. Seu aluno Warren
Henderson teve que aprender a ler na prisão, antes de
estudar Direito, mas tão grande era sua paixão para a
leitura que roubou centenas de livros para realizar seu
sonho de organizar uma biblioteca em seu bairro ao sair da
prisão, e em várias ocasiões teve êxito em defender-se.
Midge DeLuca, que sofria de câncer, decidiu ajudar as
outras presas doentes depois de ler uma linha de sua poetisa
favorita, Audre Lorde: “Só nossos silêncios nos
lastimarão”.
Também tomamos conhecimento de vários
rebeldes, revolucionários e presos políticos, inclusive os
integrantes e simpatizantes da organização MOVE, que
desafiaram a autoridade dos Tribunais rotundamente em uma
longa série de julgamentos; Rashaan Brooks-Bey, organizador
de greves e outras ações pelos direitos dos presos, que
junto com seus companheiros Russell Maroon Shoatz, Robert
Joyner e Kareem Howard, enfrentaram o juiz diretamente e
exigiram a prisão dos policiais; Martin Sostre, o
legendário organizador da livraria Afro-Asiática em
Buffalo, NY, que influenciou no pensamento de muitos outros
presos; Iron Thunderhorse, batalhador incansável pelos
direitos dos presos, agora, cego; e Ed
Mead, originalmente um preso social que se tornou
ativista pelos direitos dos presos, depois integrante da
Brigada George Jackson e co-fundador da Prison Legal
News.
Diante do desprezo dos juízes e promotores,
da extrema falta de recursos, e da apatia pública, os
advogados, desde a prisão, freqüentemente perdem seus
casos, mas também tem alcançado impressionantes
vitórias.
-- No estado da Pensilvânia, Richard
Mayberry começou suas batalhas para se auto-representar em
meados dos anos 60, e apesar dos duros castigos em função
disso, teve que ultrapassar alguns obstáculos para
fazê-lo. Também ganhou uma causa em 1978, que resultou em
drásticas mudanças nas prisões de vários estados no
campo da saúde, superlotação e banimento de castigos,
como as “jaulas de vidro”, entre muitas outras
coisas.
-- Em 1971, David Ruiz levantou uma
ação contra o sistema carcerário do estado do Texas,
operado como uma plantação de escravos, que resultou em
extensas reformas ordenadas pelo juiz William Wayne
Justice.
-- Na Pensilvânia no princípio dos
anos 80, uma ação apresentada por Rashaan Brooks-Bey de
parte de todos os presos conseguiu que uma unidade
repressiva fosse fechada na prisão de Pittsburgh. Os presos
ganharam duas horas de exercício ao ar livre em lugar de
quinze minutos, serviço de lavanderia, tampas para as
bandejas de comida, e uma proibição da prática de
desnudá-los quatro vezes a cada vez que recebessem
visitas.
-- No estado da Califórnia, Jane Dorotik
moveu apelações que resultaram na liberdade de um bom
número de mulheres falsamente presas na penitenciária
de Chowchilla. Seu caso está destacado em um capítulo
dedicado ao trabalho de várias presas advogadas ante o
tremendo aumento de encarceramento de mulheres, 300% em anos
recentes.
-- Barry “Running Bear” Gibbs (o
Osso) conseguiu que sua própria sentença de morte fosse
revogada, igualmente as de outros dois presos. Recorda-se de
como se sentiu quando um dos jovens lhe contou as boas
noticias. Disse Osso: “Salvar a vida de alguém por meio
de tinta e papel é uma experiência gratificante e
inesquecível”.
-- A vergonhosa condenação de 9 dos
integrantes da organização MOVE, desde 30 a 100 anos de
prisão em 1978, foi seguida por una assombrosa vitória
para a organização em 1981, quando Mo e John África se
defenderam com êxito contra acusações de posse de armas e
explosivos. Suas táticas pouco comuns incluíram uma
intimação a seus 9 companheiros presos para dar
depoimentos sobre os propósitos de sua luta, o bom caráter
de John África e a traição das testemunhas de acusação,
mais um discurso final de John África sobre a beleza e a
sobrevivência da Mãe Terra. O jurado, com lágrimas nos
olhos, os inocentou completamente.
--Uns meses depois, o simpatizante do MOVE,
Abdul Jon, conseguiu a revogação temporária das
acusações de agressão com lesões contra ele, Jeanette e
Theresa África, quando foram eles os que sofreram uma
brutal agressão da polícia. Seus argumentos sinceros e
lógicos tornaram risíveis os altissonantes (e falsos)
argumentos da promotoria. Ainda que fosse uma vitória
menor, conta Mumia, dá o sabor da longa série de processos
contra o MOVE.
Mumia assinala a ironia de que ainda que John
África fosse absolvido por um jurado da posse de armas e
explosivos, ele foi assassinado em 13 de maio de 1985, junto
com Theresa África e outros 9 integrantes do MOVE, com
explosivos obtidos ilegalmente pelo governo dos Estados
Unidos para bombardear a casa coletiva do MOVE. Sem
dúvida, nenhum agente local ou federal foi julgado pelo
crime. A única pessoa acusada, julgada e condenada a 7 anos
por “incitar um motím” foi Ramona África, que “se
atreveu a sobreviver a matança.” Se não houvesse movido
seu próprio caso, provavelmente teria passado muitos
anos mais na prisão, dadas todas as acusações iniciais
contra ela.
Para Mumia, não cabe dúvidas de que, ao fim
e ao cabo, a lei é o que diz o juiz. Em um capítulo
interessante, explora várias definições da lei, inclusive
a do homem conhecido como “o avatar do capitalismo
ocidental”, Adan Smith: “A lei e os governos podem se
considerar... como uma combinação dos ricos para oprimir
aos pobres para conservar para eles a desigualdade dos
bens, os quais de outra maneira estariam destruídos pelos
assaltos dos pobres, aqueles, que se não fossem impedidos
pelo governo, muito rapidamente reduziriam aos demais a uma
igualdade com eles através da violência
aberta”.
Sem dúvida, para os presos, a lei não é
uma teoria ou uma idéia, porque vivem a brutal realidade.
Alem disso, os que conhecem a história
afro-americana nos Estados Unidos sabem que milhões de
pessoas foram escravizadas legalmente. Houve leis distintas
para os Africanos chamadas “Códigos de Escravos”, os
quais reapareceram depois da Guerra Civil como “Códigos
Negros” que penalizaram condutas como a vagabundagem,
posse de armas, ausência de trabalho, gestos ou atos
insultantes. Mumia sustenta que precisamente porque os
advogados, desde a prisão, haviam desafiado a utilização
da lei como instrumento de dominação, o ex-presidente Bill
Clinton, em 1996, efetivou a aprovação de uma lei que
limita os direitos dos presos para encaminhar apelações ou
ações, e proíbe as indenizações punitivas por danos e
prejuízos psicológicos ou mentais, em violação da
Convenção Contra a Tortura. Aos “Códigos de Escravos”
e aos “Códigos Negros”, comenta Mumia, se somam agora
os “Códigos de Prisão”.
Naturalmente, o livro revela muitos aspectos
das condições nas prisões dos Estados Unidos, inclusive a
tortura praticada ali: “O que milhões de pessoas vimos
nas reflexões espeluzantes do Iraque não era outra coisa
que uma edição exterior da realidade das prisões
estadunidenses: lugares de tortura, humilhação e abuso
-práticas exportadas dos infernos domésticos deste país a
outros no estrangeiro”.
Em que se distinguem os advogados licenciados
em Direito e os advogados da prisão? O
conservadorismo inerente a profissão, explica Mumia, se
remonta aos dias quando os licenciados eram vistos como
instrumentos da Coroa Britânica que só trabalhavam para os
ricos. “Dos 56 homens que firmaram a Declaração de
Independência (nenhuma mulher assinou) em 1776, 29 deles,
ou aproximadamente 52 por cento, eram advogados ou juízes.
Estabeleceram uma estrutura legal que protegia a
propriedade, mas que depreciava a liberdade -pelo menos a
liberdade do povo africano escravizado. Os advogados
trouxeram com eles uma sensibilidade que está no coração
da profissão, um conservadorismo inato”. De fato, os
três primeiros presidentes de Estados Unidos eram
aristocratas, ainda que sem título, e donos de escravos.
“Estabeleceram uma estrutura legal para proteger a riqueza
e o privilégio de sua classe”.
Hoje em dia quando os advogados se
apresentam, não são “oficiais da comunidade”, se não
“oficiais da corte”. Sua lealdade não é ao acusado se
não “a corte, ao banco, ao trono civil”. Isto explica,
em parte, a grande distância entre o licenciado e seu
cliente e a falta de confiança que o cliente lhe tem. É
quase impossível que uma pessoa pobre tenha um bom advogado
e ainda más difícil quando o acusado não seja
branco.
Os advogados desde a prisão, sem dúvida,
têm uma relação diferente com o Estado. Em uns casos,
até os advogados muito progressistas têm tomado o lado do
Estado contra eles. Esclarece Mumia que em meio a
histeria pós 9/11 sobre o anthrax, vários estados
aprovaram leis que permitiram ao Estado abrir correio legal
sem contar com a presença dos presos, em violação da
Primeira Emenda da Constituição. A medida foi negociada
com o apoio da liberal União Americana de Liberdades Civis
(ACLU), mas, por fim, revogada graças aos duros esforços
de três advogados desde a prisão -Derrick Dale Fontroy,
Theodore Savage, e Aaron C. Wheeler. Por outro lado, é raro
que os advogados desde a prisão negociem um caso. Não têm
lealdade à corte, não são licenciados, e não têm
ninguém a quem vender-se. Não são parte do
“clube”.
Com todo o apreço que Mumia têm aos
advogados retratados neste livro, ele também assinala
os limites de seus esforços. Aos finais dos anos 70,
Delbert África lhe havia avisado de uma perigosa armadilha.
Explicou-lhe que o problema reside em que muitos destes
presos estudam a lei, acreditam na lei, acreditam que se
aplica a eles, e quando se dão conta que o Sistema não
segue suas próprias leis, que, ao contrário, a lei se faz
e se rompe de acordo com o desejo dos juízes,
enlouquecem.
Mumia afirma haver conhecido uns presos que
enlouqueceram precisamente por esta razão. Também conheceu
uns que tem abusado dos presos que representam. Sem dúvida,
o limite mais forte que ele assinala é a insuficiência de
seus bons esforços para conseguirem mudanças fundamentais
no sistema carcerário. Para acabar com este sistema,
qualquer esforço para utilizar a lei contra o poder têm
que ser parte de amplos movimentos dentro e fora das
prisões para transformar a sociedade.
Humilde, como sempre, Mumia apenas menciona
seus próprios esforços como advogado autodidata que tem
ajudado a outros presos a sair da prisão. Um deles é
Harold Wilson, que escolheu o nome Amin e agora participa na
campanha para libertar Mumia Abu-Jamal. Foi um dos
convidados a falar no evento de 24 de abril passado na
cidade de Nova York."
(Este livro de Mumia Abu-Jamal está em
promoção na citylights.com, por $11,87.
Tradução > Juvei
agência de notícias
anarquistas-ana).
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