Chico Anísio, fama feita de preconceito

Luiz César, economista e redator do blogue Brasilquevai, desafia o coro dos saudosos enlutados e produz um artigo crítico sobre o humorista Chico Anysio. Tenho mais de 40 anos e me reconheço em muito da crítica feita no texto. Entretanto, há um deslize misógino quanto ao casamento do humorista com Zélia Cardoso de Mello. Vejo muitos homens que, sob o manto da crítica à aliança retrógrada ali materializada, aproveitam a oportunidade para desvalorizar as mulheres. Zélia era, à época, uma mulher adulta, vacinada e consciente de seu papel político de direita. Os semelhantes se sentem atraídos um pelo outro, se completam e se referendam! Chico Anysio não fez qualquer tipo de concessão ao se casar com ela (como o texto insinua), tratou-se sim, de um arranjo político-afetivo à altura dos protagonistas. É também deselegante e desnecessária a menção da crônica ao uso de cocaína, até porque, o autor não estabeleceu nexo plausível entre o tal uso e o fato das organizações Globo terem colocado o humorista na geladeira. Para finalizar, uma comentadora do texto lembrou-me da justificativa de Anysio para votar em Collor, em 1989: "o meu candidato precisa resistir a um ditado de dez palavras." (Por Luiz César / blogue brasilquevai) "Com a morte de Chico Anísio não morrerá a modalidade de humor por ele disseminada. Rafinha Bastos, Danilo Gentili e outros estarão aí para dar continuidade ao legado de deboches e de escárnio às diferenças que o humorista deixou estabelecido como padrão de riso na cultura televisiva brasileira. Nunca será demais lembrar que Chico Anísio, um escroque a serviço das Organizações Globo fez fortuna marcando as diferenças sociais em seu País: de gênero, de raça, de nível econômico, de religião e de condições de saúde. Quem não se lembra, tendo mais de 40 anos de idade, de suas imitações de gagos, fanhosos, velhos, mulheres, nordestinos, judeus, umbandistas e homossexuais? Gerações acostumaram-se ao riso fácil das caricaturas que fazia dos mais fracos, reproduzindo depois essa modalidade de humor nas escolas e ambientes de trabalho, de modo a perpetuar a discriminação que pesava sobre os que se encontravam em oposição ao ideário de normalidade da classe média. Chico Anísio não era um comediante como foi no seu tempo Oscarito, Zelloni, Golias e Zezé de Macedo. Foi um déspota do riso que apontava no meio da multidão o que era destinado à chacota e à humilhação. Acomodou-se ao regime militar e a ele serviu comandando sessões apelativas de riso que desviavam a atenção dos rumores sobre as atrocidades cometidas pelos algozes, que seus patrões diariamente ocultavam. Contribuiu para que se criasse em torno do último ditador do ciclo de governantes da ditadura militar, João Figueiredo, uma aura de simpatia e tolerância por meio de um quadro em que mantinha conversas intimistas com o governante. Afeiçoado a bajulações dos poderosos, ainda depois da ditadura Anísio chegou ao cúmulo de dar sustentação ao confisco da poupança praticado pelos sócios de seus patrões, os Collor de Mello, vindo até a casar-se, em troca disso, com uma das primas e ministra da economia do ex-presidente Fernando Collor, Zélia Cardoso de Mello. Viciado em cocaína, como ele mesmo declarou um dia às TVs, Chico Anísio nunca se recuperou da dispensa de seus serviços pela Rede Globo depois que a emissora – para a qual muito contribuiu com o elevado faturamento de seus programas – decidiu renovar sua imagem nos anos de 1990 apelando a uma nova abordagem de humor, representada por grupos humorísticos egressos do teatro. Antes que iniciasse a lenta agonia em direção ao destino igualitário da morte, a Globo cedeu à mágoa do humorista e deu-lhe a chance de um breve retorno à cena representando a idosa que fazia ligações telefônicas para o ditador Figueiredo. Só que nesse ato de despedida, quem estava do outro lado da linha era a mulher e ex-prisioneira política Dilma, a quem o preconceito do humorista jamais perdoaria por haver derrotado o estigma machista e vergar, sem os favores da Globo, a faixa de presidente da República. Um troco que, por felicidade, a vida dá aos homens sem caráter antes que caiam no esquecimento."

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