Dois casos de flagrante desrespeito à dignidade das mulheres: o primeiro em 1828 e o segundo, ontem, março de 2012
(A sua honra não é sua / por Laura Candian Fraccaro / historiadora)
"Em 1828, Policena fez uma denúncia contra Joaquina e sua filha Maria Josefa, acusando as duas últimas de a terem ferido gravemente. Acusava-as também de ter falado injuriosas palavras. Policena declarou que, passando em frente da casa das rés, ouviu muito barulho e pedindo silêncio a elas, foi levada para dentro onde foi ofendida e apanhou de porretes. As rés não negaram que bateram em Policena e admitiram que disseram algumas palavras. Disseram que deveriam ser liberadas, pois o que falaram à Policena, era verdade, ela era prostituta. Para as rés, Policena vivia em concubinato, era prostituta e tinha comportamento lascivo, deixando qualquer homem desviado de sua família. Quase em sua totalidade, exceto por uma, as testemunhas não viram o acontecido e pouco podiam declarar se não o que ouviram. Mas, impressionantemente, todos que testemunharam concordavam que Policena era prostituta por ser “publicamente conhecida como fadista.” Policena cantava fados, música portuguesa, em festas e vivia com um homem, o que para as testemunhas eram provas concretas de seu comportamento lascivo de prostituta. “Andar passeando”, “ser fadista”, “viver amasiada” podiam ser lembrados para caracterizar a mulher como prostituta quando fosse conveniente. Para as agressoras, lembrar que Policena estava sempre presente em festas, cantando, levou o foco da acareação para a própria Policena e não para a agressão. A sentença proferida pelo Juiz resume bem como as mulheres que tinham uma vida no espaço público eram consideras: “Ela (Policena) não é merecedora da indenização de injuria que procurou e da qual não pode cobrar coisa alguma vista a publica renúncia que fez da estima pública, quando como dos autos consta-se que conserva em variada e continua devassidão.” Em 2011, o Superior Tribunal de Justiça inocentou o estuprador de três meninas de 12 anos. Para o juiz responsável, as meninas “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”, retirando, assim, a presunção de estupro quando há relação sexual com menores de 14 anos. Em um futuro próximo, aquele que estuprar uma criança poderá sempre se servir do argumento de que a vítima era prostituta e se safar da acusação. Mas o que é ser prostituta para os agressores e homens da justiça? É a mulher que não tem honra. Quando se é mulher, sempre questionam sobre sua honra, seja hoje, ou há 200 anos atrás. Para muitos, ao sair de casa desacompanhada, passear sozinha, ir a festas, as mulheres abrem mão de poderem ser consideradas honradas e, por consequência, podem sofrer qualquer tipo de violência. Ao existirem, perdem direitos. Perdem o direito de defesa, de serem consideradas vítimas. Podem ser xingadas, violentadas, espancadas, porque deixaram de ser humanas, porque só são mulheres."
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