Divulgado resultado final do edital de ação afirmativa para fomento a artistas e produtores negros da Funarte
Na Revista Fórumoutubro 13, 2015 19:30
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Após um longo processo de embargo, que se configurou como mais um ato contrário às ações afirmativas como possibilidade para minimizar as desigualdades raciais no Brasil, finalmente os artistas e produtores culturais negros poderão receber os recursos conquistados via editais públicos do Ministério da Cultura
Por Cidinha da Silva*
A Fundação Nacional de Artes – Funarte divulgou, no início deste outubro de 2015, o resultado final da Bolsa Funarte de Fomento aos Artistas e Produtores Negros embargada em 2013. Foram contemplados 45 projetos que promovem a reflexão, a pesquisa de linguagem e a criação nas áreas de artes visuais, circo, dança, música, teatro, preservação da memória e artes integradas.
É importante refazer os passos do lançamento do edital para entender o processo do embargo que se configurou como mais uma ação contrária às ações afirmativas como possibilidade para minimizar as desigualdades raciais no Brasil. Como primeiro movimento, os gestores de cultura negra divulgaram exaustivamente os editais de ação afirmativa, em parceria com a sociedade civil, oferecendo informações ao máximo de sujeitos negros possível para que participassem do processo seletivo.
Os resultados foram positivos e corresponderam a todo o esforço de divulgação empenhado. O Prêmio Funarte de Arte Negra contou com 1.865 inscritos. Além dele, integraram o conjunto de editais afirmativos do Ministério da Cultura o Curta-afirmativo (para jovens produtores negros de audiovisual) com 292 inscrições e o edital de apoio a pesquisadores negros e à co-edição de livros, coordenado pela Biblioteca Nacional, que contou com 211 inscrições.
Depois de iniciado o processo de avaliação dos projetos inscritos nos quatro editais de ação afirmativa dirigidos à cultura negra do MinC, os certames foram suspensos por liminar concedida pela 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão, em uma Ação Civil Pública que considerou que os editais geravam lesão ao patrimônio público e afrontavam os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e isonomia, por oferecerem prêmios a obras ou projetos culturais direcionados a pessoas negras.
A justificativa do Juiz foi contraditória, uma vez que a cultura negra sempre acolheu as pessoas brancas, basta olhar para o carnaval, a capoeira, as casas de asé e ngunzo. Entretanto, a mesma sociedade que desfruta dessas manifestações culturais não respalda ações e políticas que dividam recursos econômicos com os agentes negros que as protagonizam, principalmente por meio de ações afirmativas.
Ação afirmativa é uma iniciativa essencial de promoção da igualdade, é cobrar de cada um o que cada um pode dar, e oferecer a cada um o que for de sua necessidade.
Em defesa da constitucionalidade dos editais, as Procuradorias da Advocacia Geral da União (AGU) explicaram que, ao contrário do que alegava o autor da ação, o concurso aberto não tinha como objeto final a promoção da cultura negra, mas a promoção da igualdade racial, incluindo profissionais negros no mercado de direção e produção, na criação de projetos nas áreas de artes visuais, circo, dança, música, teatro e preservação da memória, na edição de livros e na área da pesquisa no campo cultural.
Os advogados alertaram que os editais não estabeleciam um recorte temático dos produtos a serem entregues para concorrer à premiação e sim um recorte racial para os participantes da seleção. Essa regra, de acordo com os advogados da União, respeita integralmente o princípio da isonomia, por intermédio da inclusão de determinada parcela da população em atividades historicamente não alcançadas por elas.
As procuradorias informaram, ainda, que os prêmios dos projetos representavam pequena parcela do orçamento do Ministério da Cultura e não prejudicavam as demais políticas públicas da pasta. Os advogados lembraram que somente a Secretaria do Audiovisual lançou mais de 55 editais para a população entre os anos de 1997 e 2011, sem qualquer recorte racial de acesso.
Para a AGU, os editais não privilegiavam determinado segmento da sociedade, pelo contrário, apenas constituíram uma ação pontual com o objetivo de integrar parte da população em certa área de produção cultural, o que acabava por estimular o respectivo ingresso em área específica de trabalho. Além disso, os advogados destacaram que o posicionamento da 5ª Vara causava prejuízo ao cronograma do desenvolvimento dos concursos e às expectativas dos participantes que inscreveram projetos.
Passados meses da mobilização da sociedade civil nos quatro cantos do país, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), ao analisar o caso, concordou com os argumentos apresentados pela AGU e liberou a realização dos projetos, inclusive, com o pagamento da premiação em dinheiro. O relator do caso destacou em seu voto que cotas sociais não eliminam a competição, “apenas estabelecem vantagem para as minorias, no ponto de partida”.
Quando o pagamento da premiação estava em curso, o mesmo juiz responsável pelo primeiro embargo conseguiu fazê-lo novamente com parte dos premiados. Assim, a luta continuou baseada na compreensão de que a decisão de 2014 do STF robustecendo a constitucionalidade das ações afirmativas como estratégia legítima e eficaz de combate ao racismo e à discriminação racial, embasa a reivindicação de recursos específicos para a arte e cultura negra no Brasil.
Finalmente, em outubro de 2015, depois de vencida a querela judicial, os artistas e produtores culturais negros poderão receber os recursos conquistados via editais públicos do Ministério da Cultura.
(*) Cidinha da Silva é escritora. Publicou, entre outros, Racismo no Brasil e afetos correlatos (Conversê, 2013) e Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (FCP, 2014). Despacha diariamente em sua fanpage
(Foto: Mateus Pereira/Governo da Bahia)
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