Como parlamentares negros exemplificam a discriminação racial em vídeo
Por Cidinha da Silva
O 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, paulatinamente se transforma em semana e mês da consciência negra. Sem dúvidas, uma vitória do Movimento Negro contemporâneo, que tem instado pessoas afrodescendentes de frágil identidade negra a se posicionar, a referir, pelo menos, o tempo histórico em que vivem.
Particularmente, como figura pública, só narro histórias pessoais de discriminação racial se elas tiverem um potencial muito grande de mobilização coletiva e se eu for capaz de contextualizá-las no espectro amplo de funcionamento do racismo para todas as pessoas negras. Não me interessa mobilizar a compaixão fajuta de quem quer que seja.
Emblemático da superficialidade de abordagem é o vídeo de um portal de notícias http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-11-19/a-primeira-frase-racista-quem-voce-pensa-que-e-neguinho.html que entrevista oito parlamentares negros sobre como foram e ainda são alvo de preconceito e discriminação motivados por racismo.
A história contada pelo deputado Vicentinho no vídeo, sobre sua irmã, escolhida para coroar a santa na igreja, é um bom exemplo. Na hora H ela é substituída por uma colega branca no lugar de honra, ao tempo em que ela, a criança negra, excelente cantora, é escondida debaixo da mesa do altar e de lá emite sua bela voz. Isso nos comove e pode até nos fazer chorar. Mas e daí? A pergunta que não quer calar é quando deixaremos de tratar o racismo como evento doméstico que nos magoa?
O culto à individualidade, à pessoalidade da discriminação racial sofrida, reforça as chaves mobilizadoras de afetos correlatos à prática do racismo no Brasil. Os agentes que ridicularizam certas situações de discriminação, bem como as pessoas discriminadas, são os mesmos que se sensibilizam com histórias nas quais o negro não reage. Apenas aquiesce e sofre.
As figuras públicas não podem compactuar com esse modelo, precisam rompê-lo. Não penso que seja possível combater o racismo amolecendo corações que derramam uma lágrima quando ouvem a história triste da infância do deputado e logo a seguir jogam lixo na rua e riem, porque estão contribuindo para que os garis “tenham o que fazer”. O racismo é um bicho feio. Horroroso. Letal! E assim deve ser tratado. Sem açúcar.
Dos oito entrevistados, apenas dois, Orlando Silva, PCdoB SP, e Antônio Brito, PTB BA, conseguem sair do campo do afeto e discutir, mesmo que de maneira mínima, o racismo estrutural. Mesmo sabendo que os políticos tradicionais tentem se aproximar da linguagem utilizada pelo povo, seja para impressionar, para compor, para arregimentar, para ventar junto com o vento, seja lá para o que for, e saibamos também que o nível médio de discussão racial no Brasil é rasteiro, insuficiente para os grandes passos necessários, podemos exigir mudanças.
Temos o direito de fustigar esses homens e mulheres negros na política a trocar o motor e a pisar no acelerador, para sairmos do ritmo ditado pelos afetos correlatos ao racismo na corrida da equidade racial. Nossa desvantagem é imensa. Começamos muito atrasados em relação ao tiro de largada.
Oxalá, saiamos de cima do muro discursivo e toquemos fogo na Babilônia, ou, pelo menos, tinjamos de anilina vermelha a água das fontes das praças públicas do país, a exemplo da campanha baiana Reaja. Desse modo, forçaremos os passantes a se depararem com a alegoria do sangue negro jorrado no chão do cotidiano.
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