Uma Michelle incomoda muita gente, duas Michelles incomodam muito mais...
Por Cidinha da Silva
Taís Araújo foi alvo de racismo em seu perfil no Facebook. Reagiu de pronto. Denunciou. Posicionou-se. Manteve os comentários racistas para que todos pudessem ler. Recebeu manifestações amorosas e solidárias.
A atriz entregou as provas à Polícia Federal, que, espera-se, investigue, encontre os agressores e puna-os com rigor. Não porque atacaram uma mulher negra famosa, mas porque o racismo deve ser coibido de maneira exemplar para que as pessoas anônimas, às quais ele atinge na vida miúda, sintam-se mais protegidas.
Mas, o fato de Taís Araújo ser uma artista de sucesso que estrela uma série televisiva inovadora na qual representa uma mulher negra poderosíssima (Mr. Brau), além de bela, aspecto verificado em todos os demais papeis desempenhados na TV, não deve ser minimizado. O poder de Michelle, a personagem, é o que incomoda. Empresária bem preparada para as funções que exerce, rica e ética, refinada em tudo, nos gestos, nas roupas, no trabalho. Qualquer semelhança com Michelle Obama merece consideração.
Em postura correspondente ao poderio profissional e econômico da personagem ou, para melhor caracterizá-la, Taís Araújo radicalizou no visual. Abusa do volume, das cores e do brilho de um cabelo crespo que lhe empresta ar felino que seu rosto delicado desconhecia, e que deve deixar os racistas em pânico.
É impossível dissociar os ataques racistas sofridos por Taís Araújo daqueles que alvejaram Maria Júlia Coutinho, a repórter do Jornal Nacional, há alguns meses. Duas mulheres negras, bem sucedidas, admiradas, em posição de destaque e poder, divando e sambando na cara da sociedade, como o pessoal jovem gosta de dizer. Atacadas no perfil de uma rede social. Aliás, o ciberespaço tem se constituído como locus privilegiado para machistas, misóginos e racistas agredirem mulheres. O mesmo modus operandi: cusparadas de “volta à senzala”, agressões ao cabelo crespo e outras de conotação sexual.
E ainda teve a fração do “somos todos Taís” que aconselha e repreende os pares: “tanta negra feia para vocês praticarem racismo e vocês falam logo da Taís Araújo que é tão linda que nem parece negra.” E mais à frente, depois que alguém chama a atenção da frasista: “eu não tô praticando racismo, tanto que disse que a Taís não merecia isso.”
Nada de novo no front. Só a velha reificação do lugar da mulher negra no discurso e no imaginário da casa grande recalcitrante e ressentida. Mais do mesmo, dessa dor dilacerante que consome os herdeiros dos escravizadores todas as vezes que os descendentes de escravizados afirmam sua humanidade, refutam lugares de subalternidade e divam como Taís Araújo e Maria Júlia Coutinho.
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