O que o descaso de uma escola por uma criança nos ensina sobre a criminalização do homem negro


O que o descaso de uma escola com uma criança nos ensina sobre a criminalização do homem negro
Uma escola não é o Show de Truman. O futuro de uma criança não pode ser vinculado à deturpação de sua imagem como um hip
Por Cidinha da Silva
Algumas pessoas ficaram estarrecidas com a atitude da criança negra de sete anos, aluna do primeiro ano fundamental na Escola Paulo Freire, em Macaé, Rio de Janeiro, fartamente divulgada na internet. O menino desarrumou estantes, quebrou objetos, lançou-os à parede e sobre professoras que, de maneira passiva o observavam. Umas tantas chegaram mesmo a encaminhar a filmagem, feita por professores, tratando-a como caso de possessão pelo demônio. “Esse menino está com o diabo no corpo”, diziam.
Outras pessoas, entretanto, chocaram-se com o despreparo de três professoras e um professor para lidar com uma criança de sete anos, de rosto aparentemente tranqüilo, mas desafiador, irônico em certos momentos, que, num surto de fúria desarrumou prateleiras, quebrou objetos numa sala de aula, lançou-os à parede e sobre os professores.
É uma gente que não compreendeu como educadores formados por uma universidade não souberam lidar com as atitudes agressivas e destrutivas do garoto em nome de suposto medo do ECA e do Conselho Tutelar. Mais ainda, é incompreensível terem cogitado chamar a Polícia e/ou o Corpo de Bombeiros para conter uma criança. Por fim, como filmaram aquela tragédia da educação brasileira e a disponibilizaram em redes sociais, expondo uma criança de maneira inaceitável. A associação do menino ao demônio também é espantosa e reveladora do pântano de pensamento acrítico ou mesmo falta de pensamento em que as escolas brasileiras estão mergulhadas.
A criança é abordada como um ser incontrolável e violento, que, uma vez contida, poderia ensejar a atuação do ECA e do Conselho Tutelar, como punição aos adultos envolvidos. Compreensão tacanha e desvirtuada dos direitos das crianças resguardados por esses instrumentos.
Ao fustigá-la como bandido mirim, cujo único direito naquele momento era quebrar tudo para deleite do público do Watzap, os professores despejaram na tela todo o ódio que sentem das situações terríveis que a sala de aula contemporânea lhes impõe. Nenhum crítico do comportamento deles desconsidera as péssimas condições de trabalho a que estão expostos. A remuneração insuficiente e injusta. Os problemas de drogadição, violência familiar, violência urbana e criminalidade, entre outros, que obstam cotidianamente o trabalho discente nas escolas. Contudo, não é aceitável a exposição de uma criança e de sua família que facilmente será identificada como negligente, supostamente violenta e não-protetora, à execração do Watzap. Não se pode tratar com descaso um garoto de sete anos, inofensivo e desarmado, que se acalmou quando a mãe chegou, conversou com ele e o abraçou, mas para o qual um grupo de adultos cogitou a Polícia e/ou o Corpo de Bombeiros.
Uma escola não é o Show de Truman. O futuro de uma criança não pode ser vinculado à deturpação de sua imagem como um hipotético criminoso em miniatura. Os minutos de fama dos adultos da cena reforçam os mecanismos que condenam por antecipação, inclusive à morte, crianças, adolescentes, jovens e homens negros. Legitima e sustenta seu extermínio, porque, afinal, se um menino negro de sete anos com suas mãozinhas frenéticas e desarmadas imobiliza quatro pessoas adultas, imagine o que poderiam fazer os maiores? Então, preventivamente, redução da maioridade penal neles! Também por prevenção, tiros da polícia a qualquer passo, a qualquer barulho de moto, a qualquer atitude. Suspeita e criminalizada, só por ser praticada por um negro, de qualquer idade.
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*Cidinha da Silva é escritora. Publicou, entre outros, Racismo no Brasil e afetos correlatos (Conversê, 2013) e Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (FCP, 2014). Despacha diariamente em suafanpage

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