Amor na pós-modernidade

Quão novo é esse jeito pós-moderno de deixar as coisas na superfície. No limite da pele, das línguas, do sexo. É proibido aprofundar, se envolver. Nada de amadurecer. Sentir o amor crescer dentro do peito como um grão de feijão no algodão molhado. Aquela relíquia que você observa todos os dias de manhã. Molha. Cuida. E o bichinho vai crescendo até chegar ao céu. Risquem-se do dicionário as palavras compromisso e entrega. Extingam-se do breviário as conjugações dos verbos: amar, cuidar, entrelaçar, encantar, plantar e colher. Apague-se o brilho dos olhos de expectativa do próximo encontro. Substitua-se o verbo encontrar por manter contato. Substitua-se o suor das mãos enamoradas pela seqüência de beijos em bocas mil. Saiba que, mesmo acreditando em belas histórias de amor, ainda que curtas, os tempos pós-modernos lhe oferecerão tirinhas de jornal: três quadrinhos nesta edição, mais três na edição de amanhã, e assim dia após dia. Você pode também deparar com o represamento das águas do amor, que passam a ser controladas por fios, botões, transístores e relógios de força. Assim como uma hidrelétrica. Ou por conceitos como o de PSF – parceiro(a) sexual fixo(a), flutuante, fugaz. Depende da constância do “F”. Ah, que saudade da Pré-história, quando as pessoas namoravam e se casavam. Quando casar era mais do que dividir despesas e ter sexo seguro aos domingos à noite, depois do Fantástico. Que saudade dos tempos em que Baco fazia a festa dos amantes. Nestes tempos pós-modernos, a energia e a disposição dos ficantes é definida por alucinógenos, energéticos e drogas diversas. Ah, que tristeza viver nestes tempos sem compromisso, sem afeto, sem entrega, sem poesia. Sem exame do nó dos dedos, das linhas da vida e do amor nas mãos da amada, seguidos daqueles comentários tolos e profundos de quem nada entende de quiromancia, mas capricha na arte de seduzir. (Do livro novo: "Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor! Ilustração: Lia Maria)

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