O pastor-deputado Feliciano e a Lei 10.639
Por Cidinha da Silva
Eis que o pastor-deputado Marco Feliciano,
deputado sabidamente racista, homofóbico e misógino é alçado à presidência da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O ato é resultado dos
acordos espúrios dos partidos políticos em busca de poder no Congresso e das
estratégias condenáveis para sustentá-lo a qualquer custo (partidos de esquerda
preferiram comissões mais importantes e relegaram a de direitos humanos ao PSC,
que, por sua vez, indicou Feliciano para presidi-la).
Então, o
pensamento reacionário e discriminador de Feliciano vem à tona, chocando muita
gente boa que vive no país de Alice. Idéias nefastas manifestam-se com crueza, tacanhice
e o perigo do processo de lobotomia e especulação financeira, dentre outros
males, que gente como Feliciano realiza com pessoas simples, algumas em condição
próxima à miserabilidade. Pessoas que a gente boa considera desprezíveis e
descartáveis na sociedade de consumidores, celebridades e “cabeças pensantes”.
Que
pessoas são essas? É o pessoal sem eira nem beira, maiormente, que tem
encontrado na teologia do lucro, dos resultados e da promessa de prosperidade
das igrejas evangélico-pentecostais, remanso para o corpo cansado da labuta e
da exploração cotidiana que já degradou sua humanidade. Aquele mesmo pessoal
explorado e desprezado pela gente boa. A igreja lhes restitui a fé e em nome
dela, passam a sustentar a ideologia retrógrada de Feliciano até nos aspectos
mínimos e frugais da vida.
E em que isso se relaciona com as dificuldades de
implantação da Lei 10.639 em sala de aula? Em tudo! São os filhos dessas
pessoas que ocupam os bancos de milhares de escolas públicas espalhadas pelo
país. São essas crianças e adolescentes, lastreadas por pais e mães afinados
com Feliciano, que demonizam os conteúdos da Lei 10.639.
Feliciano e outras centenas de pastores que
exercem a função de deputados federais, estaduais e de vereadores, ou de
“simples” líderes espirituais, não trocam de roupa, tampouco precisam de
microfone para atribuir à vingança de deus (o deus deles) o acidente aéreo que
vitimou o conjunto Mamonas Assassinas, o assassinato de Jhon Lenonn, a seca no
Nordeste, as enchentes no Rio de Janeiro, os atentados em Boston e a ameaça de
bomba atômica na Coréia do Norte. Cantores como Caetano Veloso e Lady Gaga
teriam feito pacto com o demônio. Ou seja, um completo nonsense, absurdo e
violento.
A atitude desses pastores de ovelhas desguarnecidas
demonstra que está em curso no Brasil um projeto político de teocratização do
Estado e exploração da fragilidade humana por meio da construção de uma fé que
alicia pessoas pouco críticas e muito desesperadas, desesperançadas. Essas
pessoas demonizam as culturas negras, cuja abordagem a Lei 10.639 convoca e
protege.
Feliciano e seus asseclas dizem que os africanos
foram amaldiçoados, seus descendentes, sua história e cultura, também.
Asseguram que isso está na bíblia, baseando-se na certeza de um livro tido como
incontestável. Muitas professoras e professores são seguidores dessa crença e
boicotam a implementação da Lei 10.639. Outros querem cumpri-la, mas são
perseguidos por crianças, adolescentes, pais e mães sectários que os denunciam à
direção da escola, às delegacias de ensino e até às delegacias de polícia.
No projeto de teocratização do Estado, existe um
SNI das culturas negras, que trata de mapear educadoras e educadores comprometidos
com a execução da Lei 10.639, persegue-os e obsta-lhes o trabalho. Tudo passa a
ser obra do demônio: as manifestações de culturas populares como a congada, a
capoeira, o maculelê, o frevo, o maracatu, o jongo e tantas outras, esteio tradicional de música, canto,
dança, medicina, culinária, artesanato, brincadeiras, encenações, festas e
jogos. Todas são demonizadas junto com os saberes da Umbanda e do Candomblé.
Passam por cima da laicidade do Estado e
promovem o racismo e a discriminação racial em nome de Deus e em detrimento da
Lei 10.639, dos direitos humanos e de cidadania. Em benefício da
perpetuação do escárnio virulento à diversidade
humana, verificado minuciosamente nas escolas e na educação brasileira.
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