Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia
Por Cidinha da Silva
O conteúdo do livro de Nelson Motta faz jus ao título. O Tim Maia apresentado é mais do que um homem complexo, é quase uma força da natureza. Incontrolável como um vulcão, um tornado, um tufão. Imprevisível como uma tormenta. Um homem de emoções fortes, coração mole e cabeça dura, embora pensante e perspicaz. Sua porção maior de racionalidade chamava-se Maria Imaculada, a mãe, a quem ele dedicou todos os discos.
Motta não lança mão de psicologismos para decodificar o Tim, mas poderia ter aprofundado a pesquisa com os familiares para oferecer à curiosidade de quem lê, elementos mais sólidos para aventurar-se na tentativa de compreender Tim Maia. Entretanto, sua relação com o som, a música, com a arte de cantar são exaustiva e competentemente exploradas pelo biógrafo.
A humanidade de Tim fica bem evidenciada nas relações de amor com crianças (os dois filhos e outras, de orfanato) e animais, de cães ferozes a bois e vacas de laboratório, instalados no quintal Maia. Em contrapartida, o machismo, a misoginia e homofobia do músico são naturalizados, não há qualquer comentário crítico do biógrafo mesmo diante do espancamento de uma companheira de Tim perpetrado pelo próprio. Imaginem o estrago.
Alguém pode argumentar que não é tarefa do biógrafo julgar ou criticar o biografado. Muito bem, ocorre que em situações de outra natureza, às quais Motta julga excessivas, existem críticas. Por exemplo, o período “caretão” da vida de Tim, vivido na seita Cultura Racional, como fiel leitor e seguidor do livro Universo em Desencanto. Motta são se furta da crítica ao "irracionalismo" da opção de Tim. Fica evidente que a ausência do olhar de gênero é reflexo da falta de uma noção mais sólida de respeito aos direitos da mulher, ou uma visão da mulher como gente, menos como peça de “cama, mesa, banho e outras necessidades”.
A despeito desses escorregões e tombos, feios e seqüelantes, a escrita de Motta é muito bem feita, envolvente e fluida. Mesmo diante do degradê racial que palmilha o texto de cabo a rabo. A gente se impacienta com o apego desmesurado do biógrafo a um jeito antiquado de descrever as relações raciais no Brasil, quer seja, a ênfase num mosaico de cores, inútil para caracterizar as pessoas. É um desfile de “mulatos e mulatas, claros, escuros, foscos, moreninhas e moreninhos, negões”, etc, e confusões também. Para minha surpresa, dois negrões aptos a desfilar no Ilê Ayê, Wilson Simonal e Jorge Benjor tornam-se mulatos na descrição do Motta. Há uma tendência também a “morenizar” os pobres da trama, Roberto Carlos, por exemplo, além dos olhos tristes, tinha os cabelos crespos e a pele morena, em contraposição aos “branquinhos” da Bossa Nova, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão e companhia, moradores da zona sul carioca. Isso cansa, essa insistência num Brasil de relações raciais folclorizadas e sem coragem de explicitar os ardis do racismo e da discriminação racial.
Há falhas de pesquisa ou escolha de dados que deixam lacunas substanciais para o bom entendimento do relacionamento de Tim com os filhos. Leo, o primeiro filho de Tim, aparece na gestação, no momento do nascimento e depois aos 8 anos, quando Tim vai ensiná-lo a tocar violão pelo “método Maia”, expressão cunhada por Motta para batizar todas as atividades ou atitudes particularíssimas de Tim. Depois o garoto desaparece. Telmo, o segundo filho, cujo nome de registro é Carmelo, aparece na notícia da gestação, no nascimento, no conflito de identidade na escola quando é chamado de Carmelo e não responde à professora. O garoto então desaparece da vida do pai, só se faz presente nas reclamações de Tim para vê-lo na casa da tia (irmã de Tim que o educava) em horários Maia, às 4 da manhã, por exemplo. Telmo reaparece aos 18 anos para negociar a realização de shows de Tim Maia no Canecão, Rio de Janeiro. Ora, a presença de Léo e Telmo na biografia é insignificante frente ao "amor gigantesco que Tim nutria pelos filhos", segundo definição do próprio Motta. O sumiço de Léo é o mais intrigante. Este não é filho biológico de Tim, mas o texto não indica que ele o diferenciava de Telmo por esse motivo.
Alguém pode argumentar que não é tarefa do biógrafo julgar ou criticar o biografado. Muito bem, ocorre que em situações de outra natureza, às quais Motta julga excessivas, existem críticas. Por exemplo, o período “caretão” da vida de Tim, vivido na seita Cultura Racional, como fiel leitor e seguidor do livro Universo em Desencanto. Motta são se furta da crítica ao "irracionalismo" da opção de Tim. Fica evidente que a ausência do olhar de gênero é reflexo da falta de uma noção mais sólida de respeito aos direitos da mulher, ou uma visão da mulher como gente, menos como peça de “cama, mesa, banho e outras necessidades”.
A despeito desses escorregões e tombos, feios e seqüelantes, a escrita de Motta é muito bem feita, envolvente e fluida. Mesmo diante do degradê racial que palmilha o texto de cabo a rabo. A gente se impacienta com o apego desmesurado do biógrafo a um jeito antiquado de descrever as relações raciais no Brasil, quer seja, a ênfase num mosaico de cores, inútil para caracterizar as pessoas. É um desfile de “mulatos e mulatas, claros, escuros, foscos, moreninhas e moreninhos, negões”, etc, e confusões também. Para minha surpresa, dois negrões aptos a desfilar no Ilê Ayê, Wilson Simonal e Jorge Benjor tornam-se mulatos na descrição do Motta. Há uma tendência também a “morenizar” os pobres da trama, Roberto Carlos, por exemplo, além dos olhos tristes, tinha os cabelos crespos e a pele morena, em contraposição aos “branquinhos” da Bossa Nova, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão e companhia, moradores da zona sul carioca. Isso cansa, essa insistência num Brasil de relações raciais folclorizadas e sem coragem de explicitar os ardis do racismo e da discriminação racial.
Há falhas de pesquisa ou escolha de dados que deixam lacunas substanciais para o bom entendimento do relacionamento de Tim com os filhos. Leo, o primeiro filho de Tim, aparece na gestação, no momento do nascimento e depois aos 8 anos, quando Tim vai ensiná-lo a tocar violão pelo “método Maia”, expressão cunhada por Motta para batizar todas as atividades ou atitudes particularíssimas de Tim. Depois o garoto desaparece. Telmo, o segundo filho, cujo nome de registro é Carmelo, aparece na notícia da gestação, no nascimento, no conflito de identidade na escola quando é chamado de Carmelo e não responde à professora. O garoto então desaparece da vida do pai, só se faz presente nas reclamações de Tim para vê-lo na casa da tia (irmã de Tim que o educava) em horários Maia, às 4 da manhã, por exemplo. Telmo reaparece aos 18 anos para negociar a realização de shows de Tim Maia no Canecão, Rio de Janeiro. Ora, a presença de Léo e Telmo na biografia é insignificante frente ao "amor gigantesco que Tim nutria pelos filhos", segundo definição do próprio Motta. O sumiço de Léo é o mais intrigante. Este não é filho biológico de Tim, mas o texto não indica que ele o diferenciava de Telmo por esse motivo.
A relação com a mãe dos dois filhos foi muito tumultuada, embora não tivesse sido diferente de outras mulheres no aspecto tumulto, “cama, mesa, banho e outras utilidades”, embora pareça que o amor foi maior. Mas será que por algum motivo não revelado, o Tim deixou de amar o Léo e por isso o Motta lhe deu um chá de sumiço? Ou ele teria sumido por falha do biógrafo? Mistérios!
Selecionei três trechos do livro que ilustram bem o caráter e opiniões de Tim sobre certos temas. Antes disso, vale dizer que Motta desperdiça gramas e gramas de celulose descrevendo tipos, embalagens e formas de preparo e uso de maconha e cocaína ao longo das últimas décadas do século XX, no Rio de Janeiro.
Sobre as mulheres: “Não precisa nem falar que eu já sei de tudo. Eu te avisei, mermão, essa mulher ia foder com a sua vida... Era o que ele sempre dizia de todas as mulheres de todos os amigos, embora o casamento de Fábio tivesse durado quase dez anos.”
Sobre o próprio sucesso: "O segredo do meu sucesso é o equilíbrio: metade das minhas músicas é esquenta-sovaco e metade é mela-cueca.”
Fato emblemático e não-raro da relação de Tim Maia com o público, como ídolo popular: "Ao subir a escada da delegacia, empurrado por dois canas, Tim viu que tinha muita gente na calçada em frente e que já o tinham visto. Parou e soltou a voz: - Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir / tenho muito pra contar / dizer que aprendi / que na vida a gente tem que entender / que um nasce pra sofrer / enquanto o outro ri... O povo começou a cantar junto, a bater palmas e gritar seu nome. Os tiras tentavam empurrar 128 quilos escada acima, mas ele não se movia nem parava de cantar. Mais gente chegava, as putas e os travestis gritavam, todos cantavam, a voz querida e poderosa de Tim Maia enchia a noite de Copacabana. Diante da avassaladora solidariedade popular, da barulheira infernal e do adiantado da hora, o delegado reagiu com bom senso e bom humor – 'libera o elemento'.”
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