A crise no Haiti vai continuar
(Por: Claudia Jardim,do jornal Brasil de Fato)
de Porto Príncipe, Haiti
“Aquilo foi só o começo”. A sentença é de um vendedor ambulante que passa o dia em meio ao caótico centro de Porto Príncipe, capital do Haiti ao se referir à convulsão social vivida no país em meados de abril motivada pelo aumento dos preços dos alimentos. A aparente tranqüilidade conquistada após a destituição do primeiro-ministro e da promessa de redução dos preços do arroz, não perdurará de acordo com Juin Miguel: “Essa calma vai durar pouco”, adverte.
Os principais jornais do país encabeçam seus editoriais advertindo que a crise continua. Na rua o sentimento é o mesmo. “Como um presidente, o chefe do país, diz na televisão que não pode fazer nada para garantir que o povo tenha comida, que é culpa do mercado? Eu não entendo isso. Não temos trabalho, não temos comida, não temos nada”, afirma Miguel, pai de quatro filhos, enquanto esperava pacientemente que alguém que lhe comprasse utensílios de cozinha. Já eram três da tarde e tinha ganho menos de um dólar.
Em meio ao vai e vem e ao caos do trânsito e do mar de vendedores ambulantes, mulheres anunciam a gritos a mercadoria à venda. As bacias equilibradas na cabeça levam frutas, verduras, balas, chicletes, vende-se de tudo. Cerca de 92% dependem da economia informal.
Motivo da revolta
O aumento dos preços dos alimentos, do arroz em especial que foi triplicado em menos de uma semana, a política econômica e a presença das tropas da Minustah – missão de paz das Nações Unidas – motivaram as manifestações iniciadas dia 3 em Les Cayes, região Sul do país, e que se estendeu para a capital Porto Príncipe.
A crise era previsível e, de acordo com analistas, o governo optou por não evitá-la. O incremento do preço do barril de petróleo, que alcançou o recorde de 113 dólares, o aumento da demanda de alimentos dos países asiáticos e a pressão para a produção dos agrocombustíveis incidiram no aumento dos preços.
No entanto, para o economista Camille Chalmers, a instabilidade dos preços dos alimentos também está relacionada com a especulação do mercado financeiro mundial, afetado pela crise econômica global.
A seu ver, muitos empresários vêm os alimentos como a saída para recapitalizar parte dos lucros perdidos em outros setores da economia. “O alimento é um produto de primeira necessidade, é vital, então é mais fácil lucrar desta forma. Se vemos a disponibilidade de alimentos no mercado mundial vemos que não há uma escassez tão grande que possa justificar um aumento tão rápido dos preços. É um fenômeno altamente especulativo”, avalia.
Os cereais sofreram um incremento de preços de 88% entre março de 2007 e março deste ano. A cesta básica, que inclui carne, farinha e leite aumentou 57% neste mesmo período, de acordo com a FAO. “Tudo isso incide na alta dos preços que ganha um impacto devastador sobretudo em países como o Haiti”, afirma Camille.
Protestos convocados por rádio
Em Le Cayes, as manifestações foram organizadas por meio de uma rádio comunitária que informava as razões da mobilização e convocava a população às ruas. “Saímos a protestar pela alta de preços dos alimentos, contra a política neoliberal deste governo e para exigir a saída das tropas da Minustah”, afirma Guy Numa, do Movimento Democracia Popular (Modep) – uma das organizações que se uniu aos protestos na capital do país. “Essa situação é insustentável, o povo não agüenta mais tanto sofrimento”, acrescenta.
As manifestações foram reprimidas pelas tropas das Minustah quando os manifestantes entraram na sede de telecomunicações da missão militar. Quatro pessoas foram mortas, três delas pela missão de paz das Nações Unidas, outra pela Polícia Nacional. Dezenas resultaram feridas.
“Se queriam a saída da Minustah, com os protestos conseguiram ratificar o mandato das Nações Unidas por mais um longo período. Para a comunidade internacional isso prova que o Haiti ainda não alcançou estabilidade”, critica Patrick Elié, ex-ministro de Defesa durante o segundo governo de Jean Bertrand Aristid.
Os protestos incendiaram a capital Porto Príncipe. Os manifestantes chegaram aos portões do Palácio de Governo para exigir a presença do presidente haitiano. Uma semana antes, Preval teria admitido em uma entrevista que ele também estava sofrendo pela alta dos preços dos alimentos e que se preciso fosse, se uniria às manifestações. Preval não saiu às ruas.
Após três dias de manifestações, o presidente haitiano se comprometeu reduzir em 8 dólares o preço do arroz, apaziguando a revolta. A promessa tem o prazo limitado de um mês. Logo depois os preços se estabilizaram em 51 dólares por cada saco de 45 quilos de arroz. “É uma concessão muito limitada e artificial, não resolve o problema”, afirma Chalmers.
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