Femi Ojo-Ade, professor emérito da Universidade de Maryland, critica capa de obra de Frantz Fanon, lançada no Brasil pelo CEAO-UFBA
"Quando recebi o convite virtual para o lançamento do texto seminal de Frantz Fanon sobre o dilema do negro num mundo dominado pelo branco, Pele Negra, Máscaras Brancas, fiquei extasiado; pensei comigo que, enfim, os Brasileiros iriam ter uma oportunidade de ler o livro na sua própria língua e digerir o seu conteúdo, cujo conteúdo, a meu ver, trata de grande número das questões com que se confrontam os Afro-descendentes nesse seu país-arcoiris.
Porém, infelizmente, quando abri o convite, fiquei chocado ao deparar-me com uma bem coreografada colagem reunindo imagens coloridas, dos mais degradantes "retratos" de negros, sobretudo americanos: os famosos Coons, Pai Tomás, Titia Jemima, as Mammies, os Sambos, os Minstrels (aqueles comediantes brancos pintados de negro que pulavam e faziam rir enquanto atravessavam de um lado para o outro a paisagem toda das terras de Jim Crow), e, nem sequer falta Banania, sobre o qual Senghor escreveu alguns versos (em que declarava querer "rasgar os risos Banania de todos os muros da França"). Todos os retratos estereotipados estão lá reúnidos, com uma mesma mensagem bastante clara: os negros nada são senão um bando de bobos de beiço largo e olhos esbugalhados, olhos que eles rolam feito idiotas, demonstrando sua indolência e selvageria, entretenendo os civilisados senhores da Casa Grande.
A questão que nào podemos deixar de fazer é simplesmente: POR QUE? Quem foi que escolheu/desenhou esta capa? Com que objetivos? Será para homenagear os Afro-Brasileiros, ou Fanon, ou quem, sabe-se lá? Esta capa representa a mensagem de Fanon ou seu discurso? Fanon afirmou: "O branco é que criou o negro". Estaríamos outra vez diante de uma re-criação do negro por supostos brancos, neste novo milênio? Por que não fazer uma capa simples, como foi a do texto original? Ou, por que não simplesemente por uma foto ou outra imagem do Fanon na capa? São muitas as opções possíveis que teriam sido mais apropriadas: instrutivas, não degradantes, não racistas; mas, não - alguém ou alguns preferiram botar esta colagem que envergonha os negros do mundo inteiro.
A lição a ser tirada deste episódio triste é bastante simples: os negros têm que tomar, digo arrancar os seus destinos, com as duas mãos, com coração e alma, e tornarem-se sujeitos, deixando de ser objetos. Eis a única maneira de assegurarmo-nos que as pessoas, qualquer que seja, de dentro ou de fora, nos darão o tratamento merecido. Fanon nos desafia a deixarmos de ser sub-humanos, a tornarmo-nos seres humanos de direito pleno; a deixarmos de ser "os condenados da terra" e tornarmo-nos, como diz o Jacques Roumain, "senhores do orvallho". Fanon acrescenta: "O azar do negro foi de ter sido escravizado. O azar e a desumanidade do branco é de ter morto o Homem, algures".
E enquanto escrevo isto, um triste sub-texto se avista no horizonte. Uma pergunta: qual é a audiência que irá ler esta tradução?"
Comentários
dilemas da condição humana que Fanon examina em sua jornada transatlântica.
Mas, sobretudo a questão dos peles negras que passaram pelos sistemas
educacionais franceses e que precisam colocar máscaras brancas na chave da
admissão cultural.
A capa, ora em pauta, não remete ao coração desta idéia simplesmente porque
Fanon trata de um racismo muito mais sutil. Essas figuras objetificadas
não espelham a humanização na qual ele está interessado, embora essa
transformação idiotizada faça parte das camadas culturais e emocionais
profundas.
Invocando Fanon na exploração do aspecto psicanalítico, por quê a decisão de
"recordar" certo imaginário? E que não é o foco direto neste trabalho. Há
toda uma linha de análise desses repertórios, inclusive mais bem delimitados
no universo caribenho. Mas não há, no livro uma proposta para análise direta
dessas imagens.
Então, fica interessante pensar nesta "abrasileiração" de Fanon, pela "pele"
ou "máscara" que a apresenta. O que significa Fanon para a sociedade
brasileira, hoje ? O uso das figuras grotescas, enquanto orientação para o
capista, também não avaliou a reificação desse arsenal associado à figura
altiva do autor traduzido. Impossível a capa não ser um filtro para a leitura. A
composição que fixa certa idéia imbricada com a imagem de um intelectual
negro tende a recolocar o sujeito negro de volta ao lugar que a ele
pertenceria. Esta naturalização é tamanha que o estranhamento só pode vir
de fora. Ojo-Ade chamou, muito bem, a atenção e o rei ficou nu.
É maravilhosa a decisão por publicar Fanon. Ele tem sido
referência para autores como Babha, E. Said. e, até agora, ausente no
Brasil. O modo como ele enfrenta o tema racismo fez da obra um clássico.Mas a polêmica da capa o retoma no âmago de seu pensamento:
"Eu não sou um escravo da escravidão"(Fanon)
Eu diria, das imagens que remetem à escravidão. É da humanização que Fanon
fala nessa obra.
Heloisa Pires Lima
Nelson Maca - Blackitude.BA
Vale dar uma olhada.
Bjs,
Cesar Kurt.