Dias anônimos (texto inédito)
Fui assistir a uma leitura dramática e mudaram o programa, o show musical do encerramento aconteceu primeiro, para evitar o esvaziamento da platéia. Bom instrumentista, o músico cantou uns sambas de própria lavra, letras racialmente afirmadas, politicamente conscientes, mas sem a poesia apresentada por despretensiosos sambinhas de amor ou dor-de-cotovelo, dos quais, talvez, ele seja crítico. Lutar com palavras é a luta mais vã, nos alertara Drummond. Encontro uma de minhas mestras no teatro, a quem entrego um exemplar do Tambor. Atenta, examina a capa, as imagens, o tipo de letras do título, lê dois contos e faz várias críticas, todas fundamentadas e quando tento explicar uma escolha, apenas uma, ela me interrompe: “sem retórica, por favor”. Ela faz aquelas abordagens cirúrgicas, na jugular, sem anestesia. Sinto mesmo que lutar com palavras é a luta mais vã, mas me alegro, foram críticas de quem acredita no potencial de amadurecimento da pessoa criticada e refuta, a ferro e fogo, a condescendência. Queria comentar muitas coisas, mas meu tempo anda sem tempo, meu coração premido pelo juízo e os dias vividos sem a infinitude daqueles plenos de amor, não deixam marca ou lembrança. São dias anônimos de Maria ninguém, vividos pela obrigação de viver. Das Olimpíadas não dou notícia como torcedora, apenas observo alguns resultados. Poderia até dizer que não acompanho as competições em solidariedade ao Dalai Lama, ao povo do Tibet, não seria totalmente verdadeiro, tampouco cem por cento mentiroso. O que pega mesmo é a falta de tempo. Mas vi que três jamaicanas subiram ao pódio nos cem metros rasos, uma em primeiro e duas em segundo lugar, empatadas, foi lindo. Dois etíopes ganharam os duzentos metros - se prestei atenção à modalidade -, ouro e prata. O Brasil passou pela China na semi do vôlei feminino, mas as cubanas caíram frente aos Estados Unidos, assim, perdemos a chance de ouvir a Virna incentivando as brasileiras no hipotético jogo decisivo, agora das arquibancadas ou como comentarista, “vamos gente, vamos acabar com essas nega”. O que mais sobre as Olimpíadas 2008? Ah, o tratamento dado a Ketllyn Quadros, a judoca negra brasiliense que ao surpreender o mundo do esporte pela superação de adversárias muito fortes, ganhar uma medalha de bronze e não chorar no tatame ou ao recebê-la, foi apelidada de “a mulher de gelo”. Intrigante! Muitos atletas choram quando premiados, outros tantos, não, e isso não significa que sejam mais ou menos humanos. Constrangedoras foram as explicações exigidas dela para a secura de lágrimas. Pressionada, a pobre chegou a dizer que “estava feliz, mas não sabia demonstrar”. E aquele sorriso lindo, aquele brilho nos olhos, diziam o quê? O Thiago Pereira não chorou quando ganhou aquela profusão de medalhas no PAN de 2007, e olha que foram umas cinco ou seis, e não vi ninguém perguntando a ele por que não chorava, mesmo que PAN seja PAN e Olimpíada seja Olimpíada. Minha bola de cristal pode estar embaçada, mas vejo no horizonte a velha lenga-lenga sub-reptícia de que Ketllyn deveria chorar, porque deve ter passado por inúmeras dificuldades para chegar até ali e blá-blá-blá... é a exceção, não foi talhada para vencer e venceu, superando “dificuldades atávicas”. Thiagos, Hipólitos, Cielos e Schidts foram talhados para a vitória, podem chorar ou não, galantear a namorada com a medalha, ou ter qualquer outra reação. Vindo deles, tudo é aceitável e admirável como expressão de humanidade. Ednanci, minha judoca favorita, não ganhou medalha e fiquei triste. Jadel Gregório também não. Aliás, alguém precisa avisar aos comentaristas brasileiros que o Jadel se islamizou, há quase dez anos, desde então, o antigo Jardel mudou o nome para Jadel. Entretanto, insistem em chamá-lo pelo nome antigo, numa negação flagrante de quem Jadel é. Por fim, assisti o segundo tempo e a prorrogação do jogo decisivo do futebol feminino. Bravas canarinhas! Lembrei-me da Seleção de 82 e porquê já gostei tanto de futebol.
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