Racismo a brasileira



Por Cidinha da Silva

A especificidade e a eficácia do racismo a brasileira, que levam a maioria dos nossos ícones a dizer as imbecilidades ditas por Pelé no tocante ao racismo e às suas manifestações, são nossos maiores inimigos. Temos também essa mídia poderosa que nos puxa 10 passos para trás, a cada passo que damos à frente (vide programa do Pedro Bial). Quando temos bons exemplos de atletas negros que se posicionam como tais, seja pela atitude política, seja pelo discurso, são minimizados, ridicularizados ou invizibilizados pelos Status quo racista. Tivemos a Marta, do basquete, com seu cabelo a Gracie Jones, aquilo marcou minha infância e adolescência de maneira indelével. Não me lembro de nada que ela tenha dito, mas me lembro da atitude e da estética dela. Lembro-me tristemente do final de sua carreira, quando ela teria passado uma noite com Robert de Niro, salvo engano, e foi tratada pela imprensa como uma profissional do sexo que foi até um hotel atender a um ator famoso, não como uma mulher livre que escolhe se deitar com quem quiser. É possível que tenha havido algum deslumbramento da parte dela... afinal tantos anos sendo linda, uma vida inteira como menina, moça e mulher deslumbrante, sem reconhecimento de sua beleza e sensualidade por ser negra... isso provoca visão desvirtuada no espelho. Antes de prosseguir a reflexão sobre a postura política de nossos atletas negros e mantendo o foco no racismo a brasileira e seus efeitos, podemos pensar nas semelhanças e diferenças entre a Cris Vianna e Juliana Paes. Ambas são excelentes atrizes, belas e sensuais. Isso as iguala. O que as diferencia é a identidade negra inequívoca de Cris Vianna e auto-declarada origem popular de Juliana Paes além de, obviamente, o reforço que o fenótipo de presumível ascendência negra desta, presta ao racismo brasileiro, em detrimento da negritude explícita daquela. E é por isso, sabemos, que Juliana Paes foi escolhida para interpretar Gabriela. De volta aos atletas, Garrincha, Anderson Silva e Ramirez, para citar os que me ocorrem de pronto, constituíram famílias negras, amaram e amam mulheres negras, casaram-se com elas. Isso, pelo menos para nós, deve significar algo. Pode ser pouco diante do que foi Ali, mas num Brazilzinho como o nosso, os dreads consolidados de Roque Junior e os incipientes de Romarinho dizem muita coisa. Tenho convicção de que Ali foi possível no contexto histórico estadunidense, ele não seria possível no Brasil, seja nos anos 60, 70, seja hoje, no século XXI. Assim, creio que a centralidade da nossa ação deve ser a decodificação do racismo produtor desse tipo de anomalia de percepção.


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