Adeus IMACO. Triste Horizonte!
Por Cidinha da Silva
O domingo era de sol e embora certa nostalgia pela companhia de Itamar
Assumpção tomasse conta dele, era produtivo e feliz. Então sobe a fumaça tóxica
da demolição de memória importante da minha adolescência no Parque Municipal. A
prefeitura do prefeito rejeitado e reeleito derrubou o IMACO. Ai, meu coração!
Quando a gente era criança, eu e meus irmãos íamos ao Parque Municipal,
levados por meu pai. Ele apontava o colégio e dizia a mim, que sempre mostrei
interesse pela arte de aprender, que aquele colégio era muito bom, que era
público e que eu podia pensar em estudar ali. Meu pai me autorizava a sonhar o
melhor.
Só entrei no IMACO uma vez, já nos anos 2000, para dar uma palestra para
um grupo grande de professores, naquele auditório enorme. Foi aí que o vi por
dentro. Minha memória é mesmo de vê-lo de fora, entre as árvores centenárias do
Parque Municipal, próximo à sombra do bambuzal, testemunha de tantas conversas
definidoras que tive na vida e da lagoa de água preta cheia de patos e barcos
furados, de remos nada confiáveis.
Mas na adolescência a escola foi palco de muitas disputas dos aspirantes
a crânios. Eu tinha um grupo de amigos que procurava as melhores escolas para
fazer o ensino médio e o IMACO estava entre elas, ao lado do Estadual Central e
da Escola Técnica. Quem estudava numa dessas, era respeitado por nós. Eu tinha
uma prima que era aluna do IMACO e embora nunca tenhamos sido próximas, sempre
a admirei por isso.
Saber que o IMACO foi demolido por força de lei aprovada na calada da
noite me lembra um samba doído sobre a demolição da Lagoinha, umas das zonas
boêmias de BH, que nos anos 80, sucumbiu à especulação imobiliária, depois de
ter-se tornado reduto de sujeitos sociais considerados descartáveis: travestis
sem glamour, velhos e decadentes, artistas e prostitutas abandonados e destruídos
pela vida dura e pela dependência de drogas, portadores de HIV e doentes de
Aids. “Adeus Lagoinha, adeus / Estão levando o que resta de mim / Dizem que é
por força do progresso / Um minuto eu peço / Para ver seu fim”...
Ao invés de tombar a Praça Vaz de Melo como patrimônio público, como
referência cultural e identitária para putas, malandros, estudantes,
intelectuais e artistas, preferiram demoli-la. Eles são assim, levam o que
resta da gente. Mas a memória insiste, o imaterial, o subjetivo, a lembrança
daquilo que a gente nem viveu, mas foi importante para tantas gerações.
É um belo horizonte que se vai e uma Velhohorizonte que cada vez mais se
enraíza e nos envenena, nos deixa tristes, muito tristes, como quando a gente
mira da Afonso Pena as montanhas da Serra do Curral d’El Rey e se dá conta de
que elas são só capa, fachada oca do minério de ferro sangrado de seu miolo. Ou
quando presenciamos, desesperançados, a transformação do Acaiaca, cinema no
prédio de mesmo nome, primeiro arranha-céu da cidade, em igreja evangélica. Fim
idêntico teve o Amazonas, que não exibia filmes excelentes, mas era um cinema
grande, de apelo popular.
Na vitrola Itamar continua. “Na vida sou passageiro / Eu sou também
motorista / Tenho dom pra costureiro / Com queda pra macumbeiro / Agora sou
também mensageiro / Me calo feito um mineiro / No mais, vida de artista.”
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