Outra vez, a novela! Agora com piadinha racista na boca de personagem negro.
Por Cidinha da Silva
Deuzuite (Susana Badin) enquanto
ouve Alcione, alento para sua dor de mulher traída, conversa com as filhas e
imita a forma da arqui-rival, Maria Vanúbia (Roberta Rodrigues), chamá-la.
Deuzuitessssss, com o S longo, como uma bomba de matar pernilongos.
O que isso significa? É escolha
da atriz, certamente. Um caco incluído por ela que reforça o papel da colega de
cena, valoriza o trabalho de criação feito por Roberta na caracterização de sua
personagem, fortalece o núcleo de favela da trama. Muito legal, tanto a
atitude, quanto a cena protagonizada por Susana.
Em contraposição, o tal Pescoço
(Nando Cunha) continua enfiando o pé na jaca. Juro que pretendia não mais comentar
a triste figura, mas em capítulo recente, minha indignação foi acordada.
Pescoço discutia com Vanúbia, enquanto
ela, junto com uma amiga, bronzeava-se na laje de casa. Ele queria que a bela
assinasse uma carta aliviando a barra dele com a esposa de todas as horas,
depois da traição.
A moça dá uma desbaratinada no
espertalhão e ele, na conclusão da cena, de um jeito que talvez pretendesse não
ser notado, apelida os cabelos da amiga de Vanúbia de “cabelo de samambaia”
(como se precisássemos de mais primos de Bombril e Assolam para infernizar a
vida das meninas negras na escola). Logo a seguir, quase grunhindo ironiza a
musa da laje: “Ta queimando o que aí cumpadi? Só se for a palma da mão!”
(aponta a própria palma como é usual no Brasil para ilustrar as assimetrias
raciais impregnadas no cotidiano).
É baixaria demais! Tenho certeza
de que por piores que sejam os diálogos da novela (e há vários intragáveis), Glória
Perez não escreveria uma estupidez desse
tamanho. Isso é caco posto pelo ator,
provavelmente com incentivo do diretor para caracterizar um personagem negro ridículo,
caricato, com racismo internalizado, que talvez concorra a uma vaguinha no
Zorra Total ou a escada preta no eterno Programa do Didi, em 2014. Será? Esse
pessoal coloca o doce na boca da criança para ela achar que a vida é riso
frouxo e depois tira, sem qualquer cerimônia.
A cena me deixou enojada... o
mesmo asco que sinto quando no trânsito, no momento de uma barbeirada, alguém diz que só podia ser mulher ou preto no
volante e quando é mulher preta, a coisa fica ainda pior. Esse racismo em
versão jocosa brasileira tem sido eficientíssimo na subalternização de um povo
que poderia ser mais altaneiro, caso fosse ousado o suficiente para rebelar-se
em coisas simples, pequenas, pretensamente inofensivas, como o papel de Pescoço.
Vida que segue! E nós, de maneira
deprimente, atuamos como agentes de inoculação do pior veneno racista, aquele
disfarçado de doce na boca de criança.
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