Nelson Mandela não quer mais ser "um santo"

(Deu no Le Mond, por Sébastien Hervieu). “Em 2004, Nelson Mandela nos telefonou dizendo: ‘Venham até minha casa, tenho algo para vocês’”, conta Verne Harris, diretor do Centro da Memória da Fundação Nelson Mandela. Quando chegaram, o primeiro presidente negro da África do Sul lhes trouxe uma caixa. Dentro, estavam seus arquivos pessoais, que incluíam seus diários íntimos e agendas nas quais anotava seus encontros, seu peso e às vezes até mesmo os sonhos que teve no decorrer de seus 27 anos de prisão. “Ele nos disse: ‘Peguem, façam o que quiserem com isso”, conta ainda Verne Harris, “era uma forma de ele se libertar de um fardo, o de uma vida extraordinária”. Em “Nelson Mandela, Conversas Comigo Mesmo” (ed. La Martinière), uma seleção de arquivos com o prefácio de Barack Obama, que será publicado em 14 de outubro na França, dois dias após o lançamento mundial, o Prêmio Nobel da Paz de 1993 lembra essa vontade: “Um dos problemas que me incomodavam profundamente na prisão era a falsa imagem que eu tinha, sem querer, projetada no mundo; me consideravam um santo. Eu nunca o fui, ainda que se referissem à definição prosaica segundo a qual um santo é um pecador que tenta melhorar a si mesmo”. Depois da figura política onipresente em sua autobiografia, “Longo Caminho para a Liberdade”(publicada em 1994), é o homem Mandela que é revelado nessa antologia traduzida para vinte idiomas. É o marido de Winnie que descreve seu sofrimento por estar tão longe daquela que ele ama, em cartas enviadas de sua cela. É o pai de Thembi, que teve recusado seu direito de assistir ao enterro de seu filho, morto aos 24 anos em 1969. É o líder de uma luta de libertação, ciente demais dos sacrifícios pessoais aos quais teve de ceder. Nesses cadernos, ele conta como seu encontro com separatistas argelinos, em 1962, no Marrocos, viria a influenciá-lo. O líder do Congresso Nacional Africano (ANC) também observou, em 1998: “Muitas vezes, os revolucionários de outros tempos sucumbiram à isca do lucro, e se deixaram levar pela tentação de se apropriar de recursos públicos para seu enriquecimento pessoal”. À parte a menção de uma violenta briga com sua primeira esposa, Evelyn, essa obra praticamente não compromete a reputação do ícone mundial. “Madiba [que é também o nome de seu clã] nos deu total liberdade, mas é um ‘livro autorizado’. Há questões, como a do balanço de sua presidência, que não levantamos,” reconhece Verne Harris, “mas os arquivos estão abertos a todos”. Com a expectativa de que historiadores se debrucem sobre eles, a popularidade Mandela poderá crescer ainda mais, segundo Dirk Kotzé, professor de ciências políticas em Pretoria: “Há dez anos, ele vem repetindo que não quer nenhum culto à personalidade, mas sua humildade só faz ampliar sua aura”. (Tradução: Lana Lim).

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