Aimé Césaire: "um minuto de silêncio"

(Homenagem póstuma ao último rito de passagem de Aimé Césaire, um grande poeta surrealista do século XX; por Maria de Lourdes Teodoro, Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Sorbonne com o trabalho "Negritude antilhana e Modernismo brasileiro", editado pela L´Harmattan, de Paris, em 1999). www.irohin.og.br . "Faleceu dia 17 de abril o político martiniquenho Aimé Césaire, aos 94 anos. Grande poeta da Negritude, cantada em seu célebre poema de 1939, "Caderno de volta ao país natal", onde afirmou: "É-belo-e-bom-e-legítimo ser negro". Césaire foi um dos fundadores da Negritude e um anticolonialista determinado. Parlamentar francês-martiniquenho entre 1945 e 1994. Foi inicialmente membro do Partido Comunista Francês, fundou o Partido Progressista Martiniquenho, aderiu ao Partido Socialista, enfim, combateu toda sua vida pela liberdade e pela dignidade do ser humano, do povo martiniquenho, em particular, do povo negro, especialmente. Seu nome completo era Aimé Fernand David Césaire, nascido aos 26 de junho de 1913 em Basse Pointe, na Martinica, e falecido no dia 17 ultimo em Fort-de-France. "Uma grande voz se apaga, a de um homem de opinião, de criatividade, de testemunho, que, durante toda sua vida, foi um despertador de consciências, uma lucidez sobre o seu tempo, um portador de esperanças para todos os humilhados, um combatente incansável pela dignidade humana", declarou a ex-presidenciável socialista francesa Ségolène Royal, em Poitou. Césaire esteve no Brasil no início da década de 1960. Em 2006 seu nome foi indicado por uma instituição da Bélgica para o Prêmio Nobel da Paz, no momento em que o Congo teve a primeira experiência de eleições livres para presidente da República. Reconhecemos em Aimé Césaire a importância do seu pensamento, de sua obra e de seu trabalho político, de sua profunda sinceridade com suas causas. O poeta surrealista francês André Breton, em prefácio ao "Caderno de volta ao país natal", considerou Césaire "o maior poeta surrealista do século XX". Ao prefaciar a Antologia da poesia negra e malgaxe, organizada por Léopold Senghor, uma outra liderança da Negritude, Jean-Paul Sartre considerou longamente a beleza e o espírito provocador e revoltado dos poemas de Césaire. O que queriam os brancos, se perguntava Sartre. Ele esperava que os brancos recebessem a literatura dos negros com o respeito que é devido aos bons autores, e não como se acolhessem produções de crianças precoces. Césaire preocupava-se com a condição humana do negro em qualquer lugar do planeta, de um modo tal que suas reflexões interessam não apenas aos negros, mas a todos aqueles que desejam uma humanização do mundo em que vivemos. Ele foi membro do Partido Comunista Francês, do qual se afastou em 1956, e fundou o Partido Progressista Martiniquenho, no qual permaneceu toda sua vida, como representante de seu povo no Parlamento Francês. A poesia de Aimé Césaire é uma realização que ilustra o melhor do surrealismo literário no século XX. O texto surrealista valoriza as descobertas da psicanálise: o inconsciente, as livres associações de idéias, etc. Não é por acaso que Aimé Césaire parte para o texto histórico e para o teatro. No texto histórico e nas peças de teatro, as questões cruciais da identidade cultural ganharão sua complexidade e profundidade próprias, de modo acessível. No teatro, a questão racial, a questão étnica e cultural, as questões políticas relativas às ilhas francesas no Caribe ou à independência de países africanos ganham vida e serão polemizadas de um modo tal que se tornam importantes para todo leitor interessado na humanização das relações sociais e culturais, independentemente de raça, religião ou origem geográfica. Para compreender toda a dimensão de Aimé Césaire, é indispensável reler sua obra poética, mas sobretudo sua teatrologia: Uma temporada no Congo (Une saison au Congo), A tragédia do Rei Cristóvão (do Haiti), E os Cães se calavam, Uma tempestade etc, que retratam as experiências chaves na política dos povos negros, na África, no Caribe, nas Américas. Dos escritores do negro-renascimento americano, dos poetas e escritores da Negritude antilhana, os herdeiros espirituais retomarão o conceito, palavras, idéias, sugestões de estilo, fragmentos de emoções compartilhadas, a serem expressos de outra maneira, a serem aprofundados. O substantivo Negritude é cunhado em 1939, em um texto famoso do poeta martiniquenho Aimé Césaire: O Caderno de volta ao país natal. A idéia de volta é a de um retorno à realidade própria do antilhano, situando-o emocionalmente nas Antilhas, historicamente vinculado à África, à Europa, às Américas. Para os africanos, o objetivo de uma retomada da procura da "identidade negra" é o enraizamento nos valores negro-africanos e a abertura aos "valores complementares das demais raças", na linguagem de Senghor, liderança africana da Negritude. Assim, a questão da identidade cultural será muito importante para antilhanos e africanos, em um mesmo momento histórico. O Movimento Modernista, no Brasil (1917-1945) teve preocupações e objetivos semelhantes aos da Negritude antilhana: busca a afirmação de uma identidade cultural brasileira. Aimé Césaire e Mário de Andrade lançaram sobre o mundo um olhar novo que, graças a eles, já não era mais o mesmo. As contradições, tão presentes em suas obras, estão fortemente ligadas a um ideal do eu deslocado para as mais diversas terras que formam estas sociedades: Américas, África, Europa, Ásia: "Europa. África. Ásia. Eu ouço urrar o aço, o tam-tam dentre a mata, o templo dentre os bananais. E eu sei que é o homem quem fala". Césaire está muito consciente do fato de que ao expressar-se com verdade, também expressa um povo, uma cultura. Em uma entrevista na revista Tropiques, ele considera que fazer "arte pela arte" é inadmissível: "Eu consideraria como um monstro de egoísmo um martinicano que fizesse arte pela arte. Significaria que ele nunca olhou diante dele, em frente a ele. Há uma sorte de intolerância da situação coletiva, isto me engaja". O poema “Corpo perdido” (Corps perdu) é significativo da fantasia de poder libertar as ilhas do peso emocional e histórico da escravidão que alimentou toda a obra do poeta. Peso do qual, individualmente, ele de fato libertou-se, pela literatura, como vimos em seu livro Moi, laminaire... , de 1983. Como observou Jean-Paul Sartre em seu ensaio Orfeu Negro, a utilização do termo "negro" não podia ser senão o primeiro aspecto importante de uma linguagem recuperadora da dignidade ultrajada. E tal uso marcará assim a produção literária da negritude dos anos 30 como da jovem Negritude brasileira que renasce nos anos 70".

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