Ondjaki e Bom dia camaradas
Dou a mão à palmatória, o escritor é bom de bola, embora continue achando-o muito bossa nova. Falo de Ondjaki, autor angolano, cantado em verso e prosa no Brasil. A primeira impressão que tive dele foi ruim, na Flip de 2006, em Paraty. A convite dos organizadores fez breve apresentação de sua obra e submeteu-se a perguntas do público, junto com Uzodinma Iweala, escritor de origem africana, radicado nos Estados Unidos. Pareceu-me que Ondjaki misturava o ficcionista com os personagens. O livro, “Bom dia camaradas” aborda a infância dele, vivida nos anos 80, em Luanda. Ondjaki fez algumas piadinhas sem graça e sem vida e, aos meus olhos, foi infeliz, superficial e até diletante na resposta a algumas perguntas. Por exemplo, perguntei (por escrito) sobre a tal felicidade das crianças angolanas, tão propalada por ele durante a exposição, não falo do texto do livro, isto é matéria de outra ordem, mas de uma felicidade generalizada vivida na vida real. Por tudo o que eu havia lido sobre crianças mutiladas pela guerra, parecia-me que as angolanas, vitimadas pelas minas, nas quais perderam pernas e braços (as sobreviventes) eram as mais tristes do mundo, sem falar naquelas multiplamente estupradas. Perguntei também sobre as crianças pobres, miseráveis, de Luanda. Seriam elas, tão felizes, quanto o grupo de classe média dirigente ao qual ele pertencia? A pergunta foi editada, digamos, pela mediadora (Rita Chaves), que abrandou os termos e o tom da pergunta, foi bom, acho mesmo que eu não tinha sido delicada com o rapaz. Ainda assim, a resposta dele foi péssima, disse que eles (crianças de classe média), invejavam as crianças pobres e miseráveis que podiam brincar nos montes de lixo, espalhados pela cidade, eles não podiam. Até aí vamos bem, cada criança com o seu gosto, mas Ondjaki afirmou ainda que, “se duvidassem, as crianças pobres e miseráveis eram mais felizes que eles, porque gozavam de uma liberdade de brincar nas ruas, escalando os montes de lixo, que eles não tinham”. Isso eu queria ouvir de uma daquelas crianças que, provavelmente, procurava comida por ali, ou queria ouvir o que um rapper angolano tem a dizer a respeito do tema. Sobre a tristeza das crianças mutiladas pela guerra, ele não respondeu. Consegui perceber que havia em Ondjaki, a necessidade de mostrar uma humanidade negada pelo Ocidente às crianças angolanas – e no livro, ele o faz muitíssimo bem -, o problema é quando ele sai da literatura e vai para a argumentação política, para a defesa das próprias idéias, mistura o ficcionista com o argumentador e nessa estrada se perde. O segundo momento em que a impressão ruim se ratificou foi durante a entrevista concedida pelo jovem autor angolano ao programa Roda Viva, da TV Cultura. De novo, pareceu-me confuso e sem consistência. Bem, havia também um problema meu, ou seja, desde o primeiro momento, confesso, queria ouvir um revolucionário, um quase guerrilheiro, queria aprisionar o cara nesse cânone. E ele não é nada do que espero, e tem todo o direito de não sê-lo, e eu também, de não gostar do que ele é, lógico. Mas a obra do cara é porreta. Vá escrever bem assim lá em Angola e que seus livros venham sempre pra cá. “Bom dia camaradas” é delicioso. Lírico, intenso, surpreendente, humorado, audacioso. Ondjaki consegue, de fato, libertar a voz de personagens crianças e fantasiar com ela, sem parecer piegas, sem exageros. Ele nos conduz com mãos de fado para aquele mundo infantil e nos faz refletir pelo que apresenta no discurso literário, pelo que propõe, diferentemente de seu discurso argumentativo que nos leva à reflexão pela falta (de densidade, de consistência, de maturidade). Mas, coitado do escritor bom de papo e ruim de escrita. Ondjaki é bom no que precisa ser.
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