Diário íntimo – fragmentos – Lima Barreto

Dia 13 de maio de 2008, completam-se 127 anos de nascimento do taurino Lima Barreto. Eu, em pleno inferno astral, busco o socorro dos ruminantes admirados para ver se a graça do entendimento me alcança e desvenda. É por esse motivo e não outro, que ora releio o “Diário Íntimo – fragmentos”, do companheiro de espécie, Lima Barreto. Trata-se de um pequenino volume, publicado pela editora Mercado Aberto, em 2001, adquirido em um “saldão” da Feira do Livro de Porto Alegre. A foto ao lado data de 1914 e consta dos arquivos de entrada de Lima Barreto no hospício, aos 33 anos. O livro é triste, muito triste. Mostra um homem inquieto, infeliz, solitário, angustiado, melancólico e escravizado pela bebida alcoólica, sequer sua genialidade se sobressai no quadro deplorável que ele pinta de si mesmo. Aos vinte e dois, vinte e três anos, quando começou a escrever o Diário, Lima Barreto acreditava no futuro, dizia escrever notas do Afonso de vinte e três, para o Afonso de trinta, de quarenta, de cinquenta anos. Mas em um período de quatro, cinco anos, o criador de Policarpo Quaresma perde esperanças e expectativa de vida, passa a crer na morte como solução para seu processo de falência humana. Como não tenho conhecimentos profundos sobre Lima Barreto e/ou sua obra, faltam-me recursos analíticos mais seguros, opto então por compartilhar fragmentos do texto.”Eu sou Afonso Henriques de Lima Barreto. Tenho vinte e dois anos. Sou filho legítimo de João Henriques de Lima Barreto. Fui aluno da Escola Politécnica. No futuro, escrevei a ‘História da Escravidão Negra no Brasil’ e sua influência na nossa nacionalidade (p.09; 1903)” “A minha melancolia, a mobilidade do meu espírito, o ceticismo que me corrói – ceticismo que, atingindo as coisas e pessoas estranhas a mim, alcança também a minha própria entidade -, nasceu da minha adolescência feita nesse sentimento da minha vergonha doméstica, que também deu nascimento à minha única grande falta” (p.12; 03/01/1905). “Desde menino eu tenho a mania de suicídio. Aos sete anos, logo depois da morte de minha mãe, quando fui acusado injustamente de furto, tive vontade de me matar. Foi desde essa época que eu senti a injustiça da vida, a dor que ela envolve, a incompreensão da minha delicadeza, do meu natural doce e terno; e daí também comecei a respeitar supersticiosamente a honestidade, de modo que as mínimas coisas me parecem grandes crimes e eu fico abalado e sacolejante (...) Outra vez que essa vontade me veio foi aos onze anos ou doze, quando fugi do colégio. Armei um laço numa árvore, lá no sítio da ilha, mas não me sobrou coragem para me atirar no vazio com ele ao pescoço. Nesse tempo, eu me acreditava inteligente, e era talvez isso o que me fazia ter medo de dar fim a mim mesmo. Hoje, quando essa triste vontade me vem, já não é o sentimento da minha inteligência que me impede de consumar o ato: é o hábito de viver, é a covardia, é a minha natureza débil e esperançada. Há dias em que essa vontade me acompanha; há dias em que ela me vê dormir e me saúda ao acordar. Estou com vinte e sete anos, tendo feito uma porção de bobagens, sem saber positivamente nada; ignorando se tenho qualidades naturais, escrevendo em explosões; sem dinheiro, sem família, carregado de dificuldades e responsabilidades. Mas de tudo isso o que mais me amola é sentir que não sou inteligente. Mulato, desorganizado, incompreensível e incompreendido, era a única coisa que me encheria de satisfação, ser inteligente, muito e muito! A humanidade vive da inteligência, pela inteligência e para a inteligência, e eu, inteligente, entraria por força da humanidade, isto é, na grande Humanidade de que quero fazer parte”( p.18; 16/07/1908).

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