Maré, nossa história de amor
“Maré, nossa história de amor”, filme de Lucia Murat, diretora do excelente “Quase dois irmãos, de 2005, roteirizado por Paulo Lins, é bom, mas falta alguma coisa. Talvez tenha havido intenção de mostrar um mundo juvenil doce, até ingênuo, de jovens negros e moradores de favela que, ao fim das contas, só querem viver, dançar, encontrar a felicidade de alguma maneira, longe da guerra do tráfico, de preferência, e é aqui o lugar da falta. Não há densidade de interpretação para sustentar os momentos mais lúdicos, o que resultou em cenas pueris e pouco convincentes. Deve ser mesmo difícil conjugar a excelência da dança e a excelência da representação em tantos atores e atrizes jovens. O filme e os atores crescem nas cenas da “juventude roubada pela guerra”, que mata e cerceia; pelo uso de armas que pressionam, ordenam, limitam e “libertam.” A dramaticidade aumenta e até o fim da ação são muitas as lágrimas que o público debulha frente à dor e os impasses das personagens, centrais e coadjuvantes. A sensação de “não ter para onde correr”, de inexistência de solução, deixa todo mundo impotente. Eu me senti assim. E não vou crucificar a professora branca, da zona sul do Rio, porque se o plano maluco de salvação da vida do protagonista não tivesse malogrado, a cabeça dela seria rifada assim que o irmão-bandido descobrisse. Então, ela estava no mesmo barco. Enfim, é um belo musical urbano-contemporâneo, que utiliza danças de rua, break, funk e assemelhados para contar uma história de amor, com ritmo e estética da favela. Só por isso o filme já teria valor e como essa parte é muito bem feita, deve ser um marco no cinema nacional. Não me lembro de outro musical com linguagem tão criativa e eficaz. A trilha sonora também é muito boa e casa bem com a dança e a história, tanto as composições de funkeiros, rappers e ídolos do pop nacional, quanto aquelas feitas especialmente para o filme. Há bons diálogos, mas também algumas interpretações truncadas que nem deixam perceber a existência de diálogo entre as personagens. Eu saí do cinema com a sensação ratificada de que estamos em guerra e “na guerra, quando se pode salvar um, é lucro”, lição primeira e mais importante aprendida nos anos que passei em Geledés. E não se trata da salvação messiânica ou praticada por alguém superpoderoso, não, é a “salvação”, como sinônimo da produção de algum lastro para o sonho, ainda que seja apenas o sonho da sobrevivência com dignidade.
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