Ardis da imagem
Por Cidinha da Silva para as Blogueiras Negras
Bonita ela não era, mas fotografava bem. Ali morava a ilusão da coisa. Foram dezenas de contatos pela rede social. Álbum de fotos para cima, álbum para baixo e quem via as fotos tinha uma impressão diferente da real.
Eu sempre aconselhei, esse negócio de paquerar pela Web é a maior roubada, mas ela insistia. Imagine você, ao vivo costuma dar errado: Cheiros, hálitos, texturas, hábitos, são tantas variáveis sinestésicas que derrubam um bom papo virtual ou telefone, um tesão à distância. Mas ela insistia. Ainda tinha o fetiche supermoderno da imagem, da superexposição.
Certa vez um conhecido me contou no café da manhã de um congresso, que marcara encontro com um rapaz desconhecido no cais de uma cidade do interior, depois de ter visto uma fotografia exibicionista do pretendente. Ele morava a duas horas do local e marcou o encontro às 22:00. Às 18:00 montou na motocicleta e rumou para o lugar marcado. Queria chegar bem cedo para observar a movimentação do provável futuro parceiro, vai que não era um cara do bem.
Para piorar tudo, a colega era romântica, aquele tipo de gente a quem você diz com gentileza, “você está muito bem, iluminada” e ela já entende o brilho percebido na pele como declaração de amor eterno. Mas pelo menos era fina, não era como umas e outras que no auge da falta de sexo recebem um elogio inócuo e já atacam, “bonita, bonita, do que adianta? Me comer que é bom, nada!”.
Marcou o encontro e pegou o avião do Norte para o Sul, voou para os braços da Sininho, a fada que havia descoberto na tela. Eu preveni: “Você não acha melhor conhecê-la um pouco mais? Você é do Norte, ela do Sul… você é negra, morena como a Gabi Amarantus, que seja. A candidata a amor eterno é branca”… Fui acusada de invejosa, agourenta, pessimista para dizer o mínino.
A colega driblou o pessoal do embarque e conseguiu esconder a violeta lilás florida que pretendia entregar ao objeto de sua paixão. Colocou a plantinha delicada numa caixa de compensado cheia de furos e depois envolveu-a com papel de presente, fez um piparote no fechamento e assim conseguiu carregá-la como bagagem de mão. Já sentada, afrouxou o laço e colocou a planta debaixo do banco da frente. Assim que o avião decolou, desfez o pacote por completo e deixou-a respirar pelos furos.
Chegou ao desembarque com mochila de roupas para passar dois dias e coisas íntimas mil para seduzir seu amor da vida toda. Na mão esquerda a plantinha, na direita o celular e o estojo do tablet. Perdia-se imaginando a melhor posição para registrar o primeiro encontro.
A porta de vidro abre à medida que ela se aproxima. Um sorriso de propaganda de creme dental rasga seu rosto. Olha para a esquerda, para todos os lados, mas não vê o grande amor.
Pega o celular, chama, ninguém responde, fora de área. Conecta o tablet, procura mensagens, presença virtual, não encontra a mulher de sua vida. Fotografa a violeta, envia a foto, diz que as duas a esperam. Pensa em ir para a casa da moça, mas não tem o endereço. Quer ligar para o número fixo, mas nem sabe se o fixo existe.
Resta esperar, deve ter acontecido alguma coisa. Senta-se na cadeira solidária que acolhe as pessoas que esperam por outras nos aeroportos, rodoviárias, estações de trem. Não tira olhos e ouvidos do celular e do tablet. Tecla sem parar. Vai até o balcão da Infraero, anuncia a própria presença, pede a presença da outra ao lado da cabine de informações. Depois do terceiro aviso, o pessoal da Infraero recusa-se a continuar chamando.
Depois de três horas de espera e silêncio, não sabe se procura um vôo de volta ou um hotel para hospedar-se. Telefona pela última vez, alguém atende. Ela sorri e chora. Desata a perguntar o que aconteceu. A outra está bem? Teve um imprevisto, por isso não conseguiu sair de casa? Para onde ela deveria se dirigir?
Sininho a interrompe com voz de atendente de telemarketing: “Eu vi suas 78 ligações e como parece que você não vai desistir resolvi atender.” “Como assim?”, a colega pergunta frustrada. “Você viu que eu estava te ligando e não atendeu?” “Vi e não atendi.” “Por quê?” “Porque eu não quis!” “Você é louca? Sabe de onde eu saí para te encontrar e você nem se dá ao trabalho de vir aqui me ver?” “Eu fui!” “Você veio? E não me viu? Por que não falou comigo?” “Eu vi, mas não falei, fui embora. Estou falando agora. É melhor você sumir daqui e eu vou te bloquear, não me procure mais. Adeus!”
A colega olha para a violeta que parece murchar e chorar junto consigo. Vai ao banheiro, umedece a planta e enxuga os olhos. Mira no espelho o cansaço do vôo, da mudança climática, das horas de fome alimentadas pela ansiedade.
Sai do aeroporto. Hospeda-se num motel de beira de estrada. Só haveria vôo de volta no dia seguinte.
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