Xangô!
Por Cidinha da Silva
Eu vi Xangô assentado no pilão,
com uma gamela sobre a perna direita, acalentada por sua barriga ao fundo e a
mão gorda escorada no joelho, à frente. O corpo pendia para cima da gamela,
como se a comida o devorasse. Com o indicador da mão esquerda em riste, ele discursava
sobre alguma questão de poder no reino.
Era Xangô ou Buda? Era o Buda
Nagô!
Vez ou outra ele calava e trocava
a gamela de lugar, abraçava-a com o braço esquerdo, deixando a mão direita
livre para fazer montinhos de amalá que levava à boca gulosa. Ele sorvia
barulhentamente a comida pastosa. Eu observava
sua destreza para comer. Fazia-o como adulto, nem um pouquinho de quiabo
escorria pelo braço, ou mesmo pela mão.
Xangô me olhou, leu meu pensamento
e explicou: “Quem come com a mão e faz lambança é criança, sinal de que ainda
não aprendeu a ser grande.” Eu encarava minha sina, pois nunca conseguiria
comer comida de caldo com as mãos sem vê-la escorrendo pelo braço. Ele zombava
da minha ignorância.
O Rei dos reis voltava a
discursar, agora com o indicador da direita apontado para o Orun, porque
precisava dela livre para alternar fala e comida. O equilíbrio do poder no
reino era o tema. Eu ouvia com atenção, porque ele se irrita quando nos
dispersamos, mas pensava mesmo no poder do quiabo.
Dizem que as filhas e filhos de
Xangô se parecem com o quiabo, cuja baba se espalha por lugares impensáveis,
caminhos que ninguém imagina e dessa forma chegam onde querem. São assim, principalmente
na oratória. Inusitados como o pai que faz a prole compreender a natureza do
poder enquanto ele come sua comida predileta.
Filhas e filhos de Xangô, por sua
vez, preferem a metáfora do vulcão em erupção e da lava espraiada por todos os
cantos. Gente de Xangô nasce do magma flamejante vindo do interior da terra que
depois se espalha, cobrindo larga superfície que nem os olhos podem alcançar. É também uma gente ruidosa, destruidora, mas
fertilizam o solo para o novo, como a lava.
Talvez o saber mais recôndito do
quiabo seja a flexibilidade para buscar novos caminhos, se não der de um jeito,
que seja de outro.
Xangô não sabe escrever um nome
na areia, esculpe-o na pedra. Seu consolo é saber que a pedra um dia foi água e
a natureza das coisas permanece, mesmo quando muda de forma.
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