Deu branco no futebol

Deu branco no futebol

by Blogueiras Negras
Por Mariana Santos de Assis para as Blogueiras Negras
Até hoje o jogo de futebol mais triste que já vi tinha sido a partida em que meu Timão jogou sem torcida. Naquele momento entendi porque tantas pessoas não gostam de futebol, não conseguem entender as lágrimas, o desespero, o ódio, a euforia e a felicidade incontida de quem torce e ama seu time do coração. Naquele jogo eu entendi essas pessoas porque esse sentimento foi tirado do campo, a devoção da fiel torcida estava ausente, essa falta não foi compensada nem mesmo pela vitória do corinthians por 2X0.
Mas o dia 02 de junho conseguiu colocar esse vazio no chinelo, perto do que o futebol viu acontecer nesse dia, um jogo com estádio vazio não foi nada. Reinauguração do maior símbolo do futebol nacional, depois do Pelé, o estádio do Maracanã, novo, reformado, hiperfaturado e vendido a preço de banana para o dono do mundo, Eike Batista. Mas não foi apenas nosso maior estádio que foi reinaugurado, uma tendência antiga, clássica mesmo do futebol também foi retomada e acalentada pela nossa elite lamentável que vai lotar os estádios ultramodernos, ainda que odeiem futebol e por nossa classe média decadente que vai estourar todos os cartões de crédito em busca de um lugarzinho na corte. A tendência de um futebol para a elite branca!
É, o público que lotou o maraca era a cara que a sociedade brasileira sonha em passar para o mundo, a cara de um povo civilizado, bem comportado, adestrado, branco e rico que se senta e aprecia um espetáculo de raça, sangue, suor e lágrimas – ao menos é isso que os verdadeiros amantes do futebol esperam ver quando vão aos estádios – como quem acompanha uma reportagem instigante do Discovery Channel ou um torneio de tênis animado. O mesmo adestramento que tentam impor em campo, quando criticam o estilo brincalhão dos meninos que driblam e dão o show que imortalizou o futebol brasileiro e o tornou único, a ginga dos meninos do morro, dos pivetes que precisam driblar mais que zagueiros, a meninada que nasceu com a bola nos pés ou na frente da TV vibrando com seus ídolos, aqueles que os “inspira por falta de alguém”, como diria Mano Brown nessa linda parceria com o mestre Jorge Bem, boa sugestão para entrar no clima da paixão pelo futebol.
O futebol e o carnaval são as duas pedras no sapato desse modelo de sociedade perfeita, invenções deles das quais nos apropriamos, melhoramos, mostramos pra eles como se faz e agora eles querem de volta. Há muito tentam nos expulsar dos sambódromos e mesmo das festas de rua. Agora estão nos expulsando dos estádios, como nos expulsaram desde sempre de suas salas de teatro e concertos de música, dita, erudita – mais uma das arrogâncias do estilo branco de fazer arte. Novamente lamento os conservadores, não por nos excluírem, até porque sei que virão atraz buscar nosso samba pra imortalizar na boca de seus playboys rebeldes, nossa capoeira para seus antropólogos generosos, nossa poesia, nossa música, nossa didática...
Um carnaval
Um carnaval
Lamento porque sei que eles virão muitas vezes, implorando migalhas da nossa paixão pela vida, mas sempre com ares de quem está sendo generoso em aceitar a vida que nunca tiveram e nós temos de sobra. Mas não se enganem, está chegando o dia em que fecharemos a porta na cara deles e diremos: fique com a sua erudição repetitiva e nada original, deixe-nos com nosso primitivismo vulgar que vocês amam e sonham poder consumir com a nossa desenvoltura e consciência tranquila, até porque não existe pecado desse lado do Equador, desse lado que ainda está colado em África, que ainda ama, odeia, sofre, grita, fala ri alto, altíssimo pro mundo inteiro ouvir, sem nenhuma vergonha, culpa ou constrangimento. Isso vocês não vão conseguir patentear, isso não dá pra produzir em plástico com cores lúdicas. Isso é uma questão de vontade de viver e sentir cada emoção como se fosse a última. Podem tentar embranquecer nossa folia, mas sempre que conseguirem voltarão pra buscar mais melanina, mais dessa alegria de viver que vocês nunca tiveram.

Mariana Santos de Assis: formada em letras e mestranda em linguística aplicada na Unicamp, militante no Núcleo de Consciência Negra e na Frente Pró-Cotas da Unicamp.

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