Nova edição do Irohin nas ruas
História: prepare-se para o embate ou engula o sapo
( Por Edson Lopes Cardoso, do Irohin - www.irohin.org.br ) "O historiador Flávio Gomes comenta que Palmares como sociedade multiétnica é uma invenção e uma extrapolação sem apoio em pesquisas documentais (ver Palmares Editora Contexto, 2005, pp.59-60). Sem negar a possibilidade de contatos de palmaristas/palmarinos com outros grupos, o historiador afirma que “Até hoje as evidências apontam que prevaleciam em Palmares os africanos fugidos e seus descendentes”.
É verdade que não sabemos até quando. Há convicções e motivações ideológicas dispostas a mandar às favas as evidências documentais e transformar Palmares numa protoversão do paraíso racial. Parodiando os versos de Jorge Ben, Zumbi é senhor das guerras/Senhor das demandas/ Mas quando Zumbi chega/D. Maria é quem manda.
D. Maria, dita “esposa” de Zumbi, rainha de Palmares, é criação de Ruy Jobim Neto, autor do texto e das ilustrações de “Zumbi”, da Bentivegna Editora Ltda., de São Paulo [www.bentivegna.com.br e tel.: (11)33411477]. É material destinado ao público infantil, de venda casada com cartilha da Coleção Atividade Brincar. Adquirimos, por R$9,90, um exemplar no Supermercado Extra localizado próximo à sede do Ìrohìn, no final da Av. W3 Norte, Brasília-DF, em 26.11.2007.
Ruy Jobim Neto escreveu que “Zumbi está hoje no coração e nas mentes de todo o povo brasileiro. Se hoje nossas crianças brincam juntas e livres, tiveram mesmo sem saber neste grande herói uma fonte inspiradora, um exemplo a ser seguido, repleto de lutas e sonhos a serem atingidos, tal como nos gloriosos dias do Quilombo dos Palmares”.
Ruy criou a figura de D. Maria de olho no presente das crianças que brincam alegres e felizes sem que nada as distinga, exceto o detalhe irrelevante da cor da pele (2ª ilustração). Vestem o uniforme com as cores que importam e que simbolizam a unidade nacional, a igualdade de todos na convivência harmoniosa que anulou todas as diferenças. Convivência fraterna, democrática, assentada nos valores republicanos. Valeu, Zumbi. Valeu, D. Maria.
Assim, tudo teria começado em Palmares. Tanto as sementes do paraíso racial, quanto as primeiras germinações de enredos e personagens de novelas de televisão. Lázaro Ramos e Débora Fallabela, na novela “Duas Caras”, repetiriam apenas dramas vividos intensamente, no século XVII, por um rebelde líder negro e a filha loura de um senhor de engenho. Que tal?
Palmares tem se mostrado uma experiência histórica vigorosa e muito valiosa para o desenvolvimento de referências simbólicas que estimularam, nas últimas décadas, a mobilização e a iniciativa política de grupos negros em todo o país. Sucessivas gerações de militantes transformaram Palmares em ponta-de-lança no desafio político-ideológico com que vimos confrontando a opressiva história oficial brasileira.
Como disse Edward Said, “a redação da história e as acumulações da memória têm sido consideradas de muitas maneiras como um dos fundamentos essenciais do poder, orientando suas estratégias, traçando o seu progresso” (Humanismo e crítica democrática. Companhia das Letras, 2007).
A criação de D. Maria, a rainha quilombola loura, é parte da estratégia dos que não abrem mão de decidir o que é história. De certo modo, a luta prossegue em Palmares, mesmo após tantos séculos. Uma disputa acirrada em que os adversários dos palmaristas buscam agora ofuscar distinções opressivas, negar identidades e impor homogeneidades. Tudo em nome de superiores “interesses nacionais”. Na verdade, tudo em nome dos interesses contrários às políticas públicas de superação das desigualdades raciais.
Mas não é somente Palmares que está em disputa. Antes mesmo que se inicie 2008, o “Jornal Nacional” e o “Fantástico”, programas de grande audiência da Rede Globo, já estão engajados na promoção do bicentenário da vinda de D. João VI ao Brasil. O governo federal já embarcou nessa, há grande agito nos bastidores. E os 120 anos da chamada Lei Áurea? Quem se atreve a bancar “uma verificação objetiva dos resultados práticos da lei de 13 de maio de 1888”? Assim questionava Abdias Nascimento em 1968, referindo-se aos 80 anos da Abolição (Cadernos Brasileiros, 80 anos de Abolição, nº 47, maio/junho de 1968).
O ano de 2008 favorece o confronto de discursos sobre a história - um embate nada acadêmico e decisivo para a defesa das legítimas reivindicações dos afro-brasileiros. Participe".
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