Joaquim Barbosa, super-herói ungido até pela Veja!



Por Cidinha da Silva

Só mesmo minha admiração por Joaquim Barbosa para me levar a gastar R$9,90 na compra de um exemplar de Veja, semanário execrado por sete entre dez pessoas de bem. As outras três não sabem ler.

Precisava ver qual era a armadilha da vez, mas a matéria de capa, baseada em conversa com o Ministro e notícias sobre o mensalão, é bem mais correta do que eu poderia supor. Embora os pecados não se deem apenas por atos e palavras, mas também por omissões. Assim, temas como as críticas de Joaquim à cobertura espalhafatosa que a mídia faz do mensalão, com a intencionalidade explícita de atingir o PT, a declaração de voto do Ministro em candidatos do PT nas eleições presidenciais recentes, a consciência dos usos e abusos do posto de super-herói, ao qual foi catapultado, bem como, sua certeza de ser um anti-herói, tudo isso é omitido. Estes são temas que o Ministro Joaquim já havia abordado em entrevista consistente, publicada no jornal Folha de São Paulo, o que não deixa de ser uma modalidade de omissão, pois é sabido que a mídia se alimenta da própria mídia.

Não sou jornalista de formação, mas sei reconhecer perguntas ruins, perguntas boas e também a ausência delas. Vejamos: se destaco na trajetória do meu entrevistado a subversão de um destino de mesmice sócio-cultural traçado para outros milhões de negros, como faz a entrevista, quero alcançar e dar a conhecer as ferramentas e procedimentos utilizados por ele para vencer. Devo ir além da constatação.

No caso de Joaquim Barbosa, por exemplo, alardeia-se que domina quatro idiomas. Sabendo que ele não nasceu em berço de ouro, não fez intercâmbio nos EUA ou Europa, patrocinado pela família, quando adolescente, que trabalhou em funções de baixa remuneração quando jovem, como estudou as tais línguas? Terá sido autodidata? Mas isso não interessa ao stablisment racista, importa promover o passado lacrimoso (senão de fato, pelo menos em nosso imaginário escravagista) e sua eventual superação, ao invés de esmiuçar como a superação se deu, entendendo-a como parte de uma estratégia coletiva de sobrevivência ao racismo, ainda que involuntária. Ao contrário, interessa sempre ratificar a norma (o destino de milhões), promover a exceção, destacando o esforço pessoal, responsável pela superação dos supostos atavismos.

Na matéria de Veja, afirma-se que a justiça brasileira está funcionando para punir os ricos e poderosos que praticam crimes, é verdade. Faltou dizer que isso acontece, em parte, porque trata-se de integrantes do PT ou pessoas ligadas a ele, haja vista o acobertamento do mensalão do PSDB, no qual a corrupção tucana teria movimentado cerca de 104 milhões de reais, bem antes da atuação de membros da cúpula do PT. Destes, polpuda quantia teria ido para as mãos de Gilmar Mendes, membro do Supremo, outra parte graúda para o Grupo Abril, editor da revista Veja.

Embora compreenda porque a efetividade da justiça começa pela punição dos membros do PT e associados (que as elites econômicas e culturais transformam em punição ao projeto político do PT de promoção dos pobres e desmantelamento das redes da pobreza), que a justiça seja feita e estendida a todos, indistintamente.

Lá pelas tantas, afirma-se que “Joaquim Barbosa, quando criança, preferia não ir às festas a ter de submeter-se à humilhação de ficar separado dos colegas.” A acomodação covarde ao racismo brasileiro que não se explicita no debate, o faz apenas na prática, leva os jornalistas a não especularem os porquês de tal atitude. Passam ao largo do tema, também por saberem que, tratando-se de um negro altivo, fora dos padrões, a segregação racial aparecerá em cores fortes e vibrantes, destoantes do tom opaco da reportagem.

O que mais me anima na figura humana de Joaquim Barbosa, é a possibilidade de conviver com uma referência negra que sofre dores homéricas na base da coluna por nunca haver se curvado. É o preço cobrado por não ter-se deixado vitimar pela tergiversação travestida de flexibilidade. Poucos de nós estamos dispostos a pagá-lo.

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