Sarau em Trípoli

Por Cidinha da Silva
Até aquele dia havia visto inícios de sarau diversos: toque de tambor, ciranda, cortejo, gritos de guerra, fogo em lampião e velas, gente de mãos dadas cantando, mas o Pai Nosso, nunca vira.

Surpresa tola, pois a anfitriã havia me explicado, enquanto subíamos a pé as ladeiras do metrô até o bar, que o pessoal tinha um vínculo grande com o campinho e o time de futebol do bairro. Pedaço do nosso misticismo, a oração é uma prática comum dos adeptos do futebol de várzea ou profissional, para pedir proteção contra os inimigos, ganhar o jogo da vida, afastar o rebaixamento humano.

Não me levantei da cadeira. Acomodada na fé titubeante observava o mundo da posição de convidada. Eis que ao final da introdução religiosa, o orador revela: “olha mano, vamos rezá memo! A gente reza aqui, porque o pessoal tá morrendo pra caralho. Tão matando gente pra caralho, mano!”

Na volta para o metrô, paro na primeira esquina e olho para os dois lados. Na rua de cima, vejo algo imóvel e sozinho, protegido por jornais. No asfalto à minha frente, vindo em minha direção, pegadas vermelhas.

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