Sobre a agenda de novembro

Nós instituímos o 20 de novembro e, de certa maneira, nos tornamos reféns dele. Não há ativista que não reclame do excesso de eventos (haja fole) alusivos ao Dia da Consciência Negra. A maioria festiva deixa tudo para o penúltimo mês do calendário, preferencialmente para a semana do 20. Embora compreendamos que a data possa funcionar como um momento de despertar, de mobilizar e coroar esforços realizados ao longo do ano, a dose tem sido cavalar. Muita coisa é válida, mas é preciso mais critério e disseminação de processos (não apenas atividades) no cotidiano. A despeito disso, participei de vários momentos construtivos e animadores e quero falar um pouco sobre eles. Estive na UFJF participando de duas mesas distintas, a primeira sobre ações afirmativas, ao lado dos pesquisadores e docentes Marcelo Paixão, da UFRJ, e Rodrigo Edmilson, da UFMG. Foi interessante o reencontro com um tema que me acompanhou durante vários anos, mas que agora observo apenas como pessoa empenhada na construção de um Brasil mais justo e menos racista. Na noite do mesmo dia participei de uma mesa com autoras e autores negros, a saber: Cuti, Conceição Evaristo, Salgado Maranhão e Ronald Augusto. A presença do Edimilson (de Almeida Pereira) na audiência me emocionou de um jeito inesperado (emoção prega peças mesmo, não é?) e ainda bem que o Ronald, com seu humor acido-gaúcho, se ofereceu para buscar uma dose de açúcar, e o riso ganhou lugar. Obrigada, Ronald. O momento foi lindo e os textos e poemas visuais, caso do Ronald, falaram de nossas diferentes perspectivas sobre a literatura negra, explicitando nosso posicionamento político pela escritura. A Prisca (Augustoni) foi discretíssima, como uma coordenadora de mesa deve ser, entretanto, Roland Barthes nos lembra que “fazer com que os outros esperem (por nós) é exercitar nosso poder sobre eles”, sendo assim, é inaceitável e absolutamente desrespeitoso que um expositor tenha vinte minutos destinados à sua intervenção e utilize quarenta, cinqüenta minutos, até mais, em total desconsideração aos demais, tal qual um rei déspota cercado de súditos. Eu, no lugar de coordenadora, menos discreta e delicada que a Prisca, gongaria o abusado. Em Juiz de Fora recebi muitos livros que já estão na fila de leituras: O “Poemas da recordação e outros movimentos”, da Conceição, aguardada coletânea de poemas, publicada pela Nandyala; três livros da editora do Ronald, a Éblis: “No assoalho duro”, do próprio Ronald; “Camisa qual”, do Cândido Rolim e “Passeios na floresta”, do Ademir Demarchi. Das mãos do Édimo de Almeida Pereira, autor do belíssimo “Contos de Mirábile” (Mazza Edições, 2007), recebi “O menino assentado no meio do mundo & outros contos”, seu primeiro livro, publicado pela Funalfa Edições, em 2003. Foi um encontro com o autor que eu já conhecia e gosto muito. Recebi três números da Locus, Revista de História da Editora da UFJF, presenteados pela organização do Colóquio. Já li dois artigos do número sobre o Estado Novo:,“Domingos do Brasil: futebol, raça e nacionalidade na trajetória de um herói do Estado Novo”, de Leonardo A. M. Pereira e “Entre sambas e bambas: vozes destoantes no ‘Estado Novo’”, de Adalberto Paranhos. Estou especialmente interessada em dois outros: “Projetando um Brasil moderno. Cultura e cinema na década de 1930”, de Sonia Cristina Lino e o artigo de Lucília A.N. Delgado, querida ex-professora na UFMG: “Esporte, trabalho e juventude no Estado Novo: o caso do Minas Tênis Clube”. Quando cursei o Ciclo Básico na FAFICH - UFMG, em 1986, um professor nos comunicou que encerraria as aulas de um determinado dia da semana quinze minutos mais cedo, atendendo à solicitação de um grupinho de colegas. É que eles todos, sócios do Minas, naquele dia se reuniam nas dependências do clube para matar as saudades do ensino médio cursado nos colégios da região - o Santo Antônio, o Santa Dorotéia, o Loyola, e para passar parte da tarde na piscina, antes das aulas de francês que começavam às 16:00, na Aliança Francesa, também próxima dali. Por essas e outras quero conhecer mais sobre o tal clube. Lá também, contam as lendas belorizontinas, Milton Nascimento teria sido contratado para cantar nos anos 60, mas teve dificuldades para entrar, não sei se é verdade, não me lembro de ter visto alusão a este fato na biografia dele, mas sempre ouvi a tal história. Mas se não aconteceu com o Milton, deve ter acontecido com outro, pois outro dia, em pleno 2008, alguns sócios do clube Paulistano, na cidade mais industrializada do país, não rechaçaram a apresentação do Zeca Pagodinho em suas dependências? A justificativa dos contrários é que o Zeca seria "cachaceiro" e a continuar com aquela estirpe de contratados, poderia haver até funk nas dependências do clube. O maestro mestiço do filme do cubano Rigoberto Lopez, ainda no século XIX, tinha mesmo razão: “nós, pretos e pardos, somos todos iguais”. Ou será que algum dia alguém recusou a presença de Vinícius de Morais em um clube de elite qualquer, por ser ele contumaz "uiskeiro"? Em tempo, o artigo de Lucília conta com a parceria de Luciana Silva Schffner. O Domingos do primeiro artigo é o da Guia, aquele de quem derivou a expressão “domingada”“o jogador adversário levou uma domingada daquelas” – ou seja, foi driblado de maneira espetacular por Domingos da Guia, o zagueiro mais elegante, mais classudo, que o mundo já viu jogar. Aliás, ele e Leônidas (da Silva, o Diamante Negro), seu companheiro na Seleção de 1938, foram imortalizados pela memória dos torcedores encantados, pela crônica esportiva da época e pelos repórteres fotográficos, haja vista que os registros televisivos só aconteceriam doze anos depois. Sobre Leônidas, os especialistas costumam dizer que, se houvesse TV naquela época, suas qualidades técnicas extraordinárias receberiam avaliação mais acurada daqueles que elegem os melhores jogadores de todos os tempos, mas, mesmo sem contar com aquele recurso, afirmam que “ Leônidas pode não ter sido melhor que Pelé, mas pior também não foi”. Sobre o conteúdo do artigo falarei em outro momento, quando houver chance. E, por fim, tive o prazer de conhecer o autor e receber dois belos livros de poesia das mãos do Iacyr Anderson Freitas, o terceiro cavaleiro da tríade Luiz Ruffato, Edimilson de Almeida Pereira e o próprio Iacyr. O Luiz é de Cataguases, cidade da zona da mata mineira, mas iniciou a carreira literária lá, em Juiz de Fora. O Iacyr é daqueles poetas vigorosos, premiados, e acaba de ganhar outro concurso, o “Literatura para todos”, do MEC, na categoria poesia. Não posso esquecer também o belíssimo CD “Amorágio”, composto por letras do Salgado Maranhão cantadas por Elba Ramalho, Dominguinhos, Rita Ribeiro, Alcione e Selma Reis, dentre outros. O CD, como retribuição à companhia que me faz, merecerá um comentário específico, em breve. Para finalizar, durante o II Encontro de Cinema Negro Brasil, África e América Latina, recebi uma caixa de singelos postais em preto e branco, das mãos do fotógrafo Edinho Alves (34 anos de cinema), chamada “Axé cinema brasileiro”. Nesta, algumas crianças negras são fotografadas no exercício de funções do fazer cinematográfico – contra-regra, assistente de câmera, maquiagem, gafter, técnico de som, still, direção de fotografia, eletricista, maquinista e, óbvio, as estrelas. Trabalho encantador, disponível em várias livrarias cariocas. Estive em Curitiba por duas vezes, uma com a APP - Sindicato dos Professores da Rede Pública Estadual, em finais de outubro, e outra com o NEAB - Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFPR, dia 12 de novembro. Na primeira oportunidade fiz uma palestra sobre o tema "literatura, relações raciais e de gênero" para um grupo de 250 professores(as) aproximadamente, na Câmara Municipal de Pinhais, pela manhã. À noite fizemos uma roda de conversa na APP, num clima agradável e descontraído de leituras do Tambor e do Tridente, entremeadas pela troca de impressões entre as pessoas do grupo. Teve até gente que saiu de lá motivada a escrever um livro a partir de memórias familiares. No NEAB acontecia um seminário anual sobre ações afirmativas, mas fui fazer um momento lúdico, digamos assim, também uma roda de conversa a partir dos meus textos, entre mulheres, um homem participou. Em Porto Alegre, a convite do CECUNE - Centro Ecumênico de Cultura Negra, participei de uma mesa na programação da 54a Feira do Livro, ao lado do Cuti. Não houve muito tempo para aprofundar o debate, mas em nossas exposições pudemos apresentar diferentes perpectivas e compreensões de literatura negra e ativismo político. O público foi pequeno, mas bastante participativo. Em POA, ainda, coordenei uma roda de conversa na sede de Maria Mulher, ONG parceira de longa data. De novo, o formato propiciou uma conversa mais intimista e franca. Ficamos todas leves e contentes.

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