Um olhar sobre os livros da Éblis, editora do poeta Ronald Augusto

(Por: Carlos Augusto Lima, do Diário do Nordeste). "Poesia para um lugar possível "É prazer dos mais e melhores é receber livros em casa. Livros que vêm de perto, do outro bairro, de alguém do lado, outros de longe, quase outra dimensão. Livros para encher a casa de não ter mais lugar e causar novo problema: ordem, faxina, convívio. Muito prazer a todos eles, são sempre bem vindos por aqui. Ainda mais quando vêm assim em bando, agrupados e envelopados com alguma boa idéia que partiu de um outro extremo do país, atravessando os eixos imaginários e reais, os tão sonhados lugares da cultura e do reconhecimento. Por sobre a cabeça disso tudo, com um salto enorme e macio pousam aqui os livros da Editora Éblis (http://editoraeblis.blogspot.com), de Porto Alegre; lá, de um outro extremo do país, colocando-se na grita, no confronto com a própria idéia de país e de fazer poesia por aqui. Encabeçando a idéia, Ronald Augusto e Ronaldo Machado, ambos poetas, que tramaram a publicação de seus próprios livros em edições simples, mas muito bem resolvidas visualmente, criando um padrão para os livros que são deles e de outros mais, num trabalho que une alguma coisa de identidade, amizade, afinidade e quase cooperativa. Éblis assume um compromisso público. Pede a palavra para se apresentar e dizer ao que veio. Éblis assume suas escolhas, sabe dizer que sim e do não. Recupera uma quase dicção de manifesto, de ímpeto e afirma: ´Contra o pano de fundo do cenário literário contemporâneo, onde o provincianismo é muito ativo e o cult muito cansativo, marcamos e afirmamos uma posição centrada na lucidez de que a criação poética é sempre uma confrontação com a linguagem, é um fazer frente à exaustão da linguagem, e que seu resultado, o poema, o livro de poemas, é sempre inconcluso´. E aqui se assinala o corte preciso contra esta teima de provincianismo dos pequenos lugares e dos grandes lugares e ainda a fisgada no deslumbre do cult, passageiro e consumível nas rodas e broncas literárias, sem conteúdo, sem pensamento. Éblis mostra a cara. Por enquanto e até agora, cinco volumes publicados, tom de diversidade de lugares e de dicções variadas também. De Ronaldo Machado, ´Solecidades´ (2007), uma curiosa recuperação da dimensão metafórica da poesia, recurso que caiu em desuso na produção recente, mas que aqui aparece revigorado, convertido numa metáfora urbana e amarga. Ronald Augusto em ´No assoalho duro´ (2007), como é bem sugestivo do título, passeia por um verso provocativo, atiçando a própria linguagem, quase auto-ironia, propõe um nocaute nas aparências, na arrogância solene do mundo das letras, fazendo uso das próprias armadilhas deste. Depois, Paulo de Toledo, que é de Santos (SP), editor, poeta e seus ´51 Medicamentos´ (2007), espécies de anti-haikais, poética quase rabisco por onde transita um mendigo incômodo e provocador, inquilino anônimo do que se diz: cidade. Em 2008, a editora publicou o recente ´Passeios na floresta´, de Ademir Demarchi, que é paranaense, de escrita ágil, irônica, quase ingênua, carregando uma idéia de encantamento-desencantamento das coisas da floresta mundo. Por último, ´Camisa qual´, do cearense Cândido Rolim que, mesmo ainda fazendo uso de uma dicção bastante concisa, parece querer ampliar seu discurso, deslocando-se do teor epigramático e aforismático dos seus livros anteriores, mas sempre mantendo o caráter reflexivo de seus poemas que, com todos os rodeios, acabam retomando sua preocupação essencial, que é a possibilidade de dizer, falar, escrever, comunicar-se no mundo contemporâneo. Sempre teimo em pensar a escrita da literatura como um gesto político. Não do partido, claro, e muitas vezes bem menos do discurso, coisa que podemos prescindir. Mas penso no gesto mesmo, de se estar produzindo isso e aquilo, ali, num canto, numa forma, num lugar tal. Na potência que é manter uma posição, uma postura, um projeto dentro das maiores distâncias, das maiores adversidades (mesmo dentro do luxo). Aqui, penso na importância política de se estar e fazer e editar poesia num outro lugar, que possui um outro fluxo, uma outra pulsão, que tem muito de distância, mas cria suas formas e possibilidades, não se sujeita necessariamente a um determinado eixo de país (necessário, claro, mas não vital, como alguns pensam) e propõe um outro lugar possível para a produção contemporânea. Que os que fazem a Éblis leiam este recado".

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