Os Sementais de Yennenga - mostra de cinema africano em Brasília

(Por:Ricardo Daehn, do Correio Braziliense) "Parece um contra-senso, mas é justamente na árida região de Burkina Fasso, no oeste africano, que se dá visibilidade estrangeira ao potencial da cinematografia africana, por meio do maior evento competitivo audiovisual daquele continente: o Festival Pan-africano de Cinema e Televisão de Uagadugu. Mais conhecido como Fespaco, o evento bienal traz como premiação máxima o troféu Semental de Yennenga, representativo até no nome – que tanto remete à fecundidade das sementes quanto abarca a propagação de instintos de antepassados. Agrário por excelência, Burkina Fasso empreende a missão hercúlea de – sendo um dos líderes entre os mais baixos índices de desenvolvimento humano – disseminar esperança para uma realidade de mercado contaminada pelo domínio de fitas norte-americanas, pelo avanço da pirataria, pela decadência do parque de exibição e por ingressos inacessíveis aos padrões de consumo africanos. A valorização desse espírito de resistência do Fespaco figura na base da mostra Os Sementais de Yennenga, a partir de hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Quase dois anos depois dos 18 títulos que compuseram Novo Olhar do Cinema Africano, o CCBB conta novamente com a parceria do Ministério de Relações Exteriores da França para dar acesso aos raros 15 longas-metragens africanos que compõem a programação, toda em DVD. Entre nomes pouco conhecidos no Brasil, o diretor Abderrahmane Sissako (criado em Mali) é uma das exceções, tendo participado, fora do circuito competitivo, do Festival de Cannes de 2006, com Bamako, espécie de ajuste de contas entre africanos e instituições comprometidas com o endividamento social do continente. Na mostra, porém, ele está representado por En attendant le bonheur, ambientado na Mauritânia e que apresenta o menino Abdallah, prestes a seguir para a Europa, num derradeiro contato com costumes africanos igualmente desconhecidos. A questão da adequação social também se derrama por outros filmes, como Histórias de um encontro e Identidade. O primeiro centra o foco em uma dupla de surdos-mudos que derruba as esperadas barreiras de comunicação, diante das distintas origens (norte-americana e argentina) pelas quais são influenciados. Também na mostra do CCBB, Identidade revela o reencontro de um rei do Congo com a filha, ausente desde o momento em que foi enviada à Bélgica para aperfeiçoamento nos estudos. Dilema que perpassa várias tramas integradas em Os Sementais de Yennenga, o casamento, atrelado ao status e à estratificação social, comanda boa parte das histórias. Despontam daí os enredos do órfão que recorre a um inescrupuloso tio para o pagamento de um dote (em Muna moto); do rapaz que deixa temporariamente a aldeia africana para amargar o enlace da própria noiva com o pai (em Tilaï) e o peso da tradição que surge como impeditivo para a união de dois estudantes da Costa do Marfim (em Djeli). Logo na abertura, a mostra do CCBB, agrupa na programação As mil e uma mãos (hoje, às 18h) – em torno da lucrativa cadeia de tapeçaria incrementada em Marrakech – e Sarraounia (às 20h), voltado para o espírito pacificador da homônima rainha africana. O mote, por sinal, em muito se aproxima da lenda em torno da princesa Yennenga, reverenciada no troféu do Festival Pan-africano de Cinema e Televisão de Uagadugu. Tido como fundador do império do povo mossis (dominante em Burkina Fasso), Ouédraogo teria sido gerado com a paixão alimentada entre um caçador solitário e Yennenga, a filha do rei de Gambaga, impedida de casar e destacada para liderar um exército. Circunstancialmente, ela acaba por providenciar o único herdeiro do reino do pai. Do continente fortemente influenciado por crenças extra-sensoriais ressoam temáticas como as exploradas em Budd Yam – no qual um rapaz marginalizado pretende provar seu valor, ao recorrer a um curandeiro – ou no longa Em nome de Cristo, que evidencia a capacidade de convencimento de um marfinense autoproclamado primo de Jesus. Com apenas duas lacunas no total dos 18 títulos premiados pelo Fespaco – faltam na mostra o vitorioso da primeira edição oficial (1972) e o da mais recente (2007) –, Os Sementais de Yennenga alinha, finalmente, filmes como Baara, Drum e Finyé. Pela ordem, um trata da projeção alcançada por um carregador de bagagens, auxiliado por um nada conformista engenheiro que se indispõe com a diretoria da fábrica onde trabalha; Drum se concentra na denúncia da perseguição governamental sul-africana à casta intelectual que espalhava ideais libertários; e Finyé, outro retrato de insurgência contra a classe dominante, construído a partir da amizade entre dois adolescentes saídos da opressora sociedade maliana". (Ilustração: Iléa Ferraz) Os Sementais de Yennenga Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tr. 2, Conj. 22; 3310-7081). De hoje ao dia 27, exibição de 15 filmes premiados no Festival Pan-africano de Cinema e Televisão de Uagadugu. Sessões de terça a sexta, às 18h e 20h. Entrada franca. NR* 16 anos.

Comentários

sergio dias disse…
Cidinha, adorei seu blog. Fico feliz em saber que há outras pessoas caminhando na mesma direção, juntos, mesmo que não só se encontrem em seu destino final. Também tenho um blog e adoraria receber sua visita. Meu endereço:
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