Nenhuma esperança

(Por: *Edson Lopes Cardoso, do Irohin) "Costuma-se incluir, no histórico do surgimento do Movimento Negro Unificado (MNU), em 18 de junho de 1978, a reação à discriminação praticada pelo Clube Tietê, em São Paulo, contra quatro atletas negros, como um dos fatos que impulsionaram a mobilização decisiva de um conjunto de entidades e pessoas que desaguaria na criação da organização política. Menos de um mês depois, em 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal, um ato público anunciava que a luta contra o racismo alcançava um patamar superior: “Um novo dia começa a surgir para o negro! Estamos saindo das salas de reuniões, das salas de conferências e estamos indo para as ruas”. Trinta anos se passaram e as atitudes de aversão ao negro se extremaram na sociedade brasileira. Mas não se tem notícia de iniciativas do Movimento Negro que, mesmo remotamente, possa se aproximar da indignação e do protesto conseqüente das escadarias do Teatro Municipal em 1978, em São Paulo. A violência e o crime contra os negros convivem com o discurso hipócrita da “inclusão nunca vista’, que embala os sonhos daqueles que renunciaram a combater o racismo. Os corpos de Marcos Paulo Campos (17 anos), Wellington Gonzaga Ferreira (19 anos), David Wilson da Silva (24 anos), jovens negros do Morro da Providência que militares do Exército entregaram para o sacrifício inominável, tinham marcas de tortura (porretes de madeira e barras de ferro), rostos e/ou cabeças destroçadas por 46 tiros, além das ‘marcas deixadas pelo triturador de lixo do caminhão” (FSP, 19.06.08, p.C1). O nosso Clube Tietê é o lixão de Gramacho, mas quem se importa? Há alguns anos, constatam-se as evidências de um profundo retrocesso histórico. Não apenas se retornou às salas de reuniões, a renúncia é de natureza mais profunda. Estamos renunciando a nossos direitos políticos, à condição de sujeitos em um conflito que, sem tergiversações, visa aniquilar a população negra. Nos jornais, os editoriais interrogam-se sobre o conceito e a missão das Forças Armadas. Fala-se em ‘aventura militar’, ‘pântano’ e ‘contaminação da tropa’. Aqui e ali reponta uma crítica ao presidente da República pela aliança com Marcelo Crivella, beneficiário eleitoral de projeto dito habitacional em execução no morro da Providência. O tema em debate é mesmo “a atuação do Exército em áreas urbanas”, se e quando. David, Wellinton e Marcos, são chamados de “três rapazes”, ou “três jovens”. A cor não é citada porque se entende (entendimento unânime, exceto em algumas cartas de leitores) que esta não é uma variável relevante, nem na vida nem na morte. Está completamente fora de cogitação qualquer alusão a racismo e ódio racial. Por isso mesmo, o ministro Edson Santos ainda não apareceu. Sente-se contemplado na fala de Vannuchi. Sente-se contemplado na fala do ministro da Defesa. Sente-se contemplado na fala de Amorim. É um contemplativo, esse ministro que nos arrumaram para descuidar-se das coisas de preto. Mais um submisso, mais um concessivo. É exatamente porque ninguém põe em dúvida a alardeada falta de pertinência da dimensão racial que podemos antever novos crimes, e não só no Rio de Janeiro. Políticos, jornalistas, intelectuais, professores, militares unem-se para ‘sustentar uma conclusão preestabelecida’: não há crimes contra negros. E, por extensão, não há Movimento Negro, não há ministro negro. David, Wellinton, Marcos, pessoas, seres humanos barbaramente assassinados, não estão no centro do debate. Despelados, desumanizados, trucidados, os ‘rapazes’ não motivam nenhuma reflexão sobre a amputação radical de possibilidades de desenvolvimento humano. O que temos, na cobertura jornalística, é uma questão militar com cruzamento eleitoral. As famílias de David, Wellinton e Marcos terão, no desdobramento da tragédia, de se proteger das ameaças e intimidações. Em tempos de retrocesso político para o Movimento Negro, estamos privados de qualquer esperança". (*Edson Cardoso é um dos ativistas negros mais conceituados do país e editor do jornal Irohin).

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