Uma Historinha de São João

Olha pro céu, meu amor, vê como ele está lindo, olha praquele balão multicor, como no céu vai sumindo (...) Saí para comprar tempero e voltar logo ao preparo das postas de peixe que me aguardavam pegando gosto no limão. Passou por mim uma garotinha de uns nove anos e me abriu um sorriso de quem troca dentes de cima de sua bicicleta. A senhorita simpatia me pegou tão de surpresa que não retribuí ao riso de pronto. Ela pedalou uns metros na direção contrária à minha e depois voltou, sorrindo de novo. Tirou um papelzinho do bolso, estendeu para me dar e disse baixinho "Feliz São João!” Tocada pela espontaneidade do gesto peguei o papel singelo. Sorri. Agradeci. Disse que o desenho do pequeno balão era lindo (em verde e rosa, ainda por cima) e guardei-o no bolso. Meu coração sudestino entendeu, naquele momento, que a gente urbana do lado de baixo do país não tem idéia do que seja o São João para o povo do lado de cima. É uma festa da alma. São rezas, profanidades, comilança e espírito de solidariedade. Na vendinha, procurei uma caneta bonita para dar de presente à garota, mas não havia nem Bic. Comprei então umas balas pra'quele anjo/erê. Olhei a rua e a encontrei encostada em sua bicicletinha, observando os jogadores de vôlei. A seu lado, um guardião, pretendente a namorado, primo ou irmão, não sei. O caso é que me dirigi a ela e disse: “Posso lhe dar uma coisa também?” Ela sorriu um sorriso enorme de quem tinha os dois dentões da frente emparelhados com caninos ainda de leite,e pegou as balas. É lógico que eu tinha um segundo punhado de balas na outra mão e tratei de oferecê-las ao guardião, que, desconfiado, aceitou. Um rapagão do vôlei ficou olhando para ver do que se tratava. Um distinto senhor assentado na varanda da casa, em frente da qual tudo se passava, também. Vi que eles cuidavam da cena e estavam certíssimos, mas não liguei para as atenções deles. Afinal, nada de mal acontecia. Era só nossa cumplicidade à luz do dia, para quem quisesse ver (Do livro Cada Tridente em seu lugar).

Comentários

Unknown disse…
Que beleza de crônica, Cidinha! Há um texto lindíssimo de Cruz e Souza, publicado na imprensa carioca em mil oitocentos e tantos, que retrata exatamente esse espírito fraterno e solidário da festa de São João. Vale a pena ler! Axé!

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