Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces - parte II

Ainda sobre o livro “Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces”, devo dizer que me encantaram a escrita e coragem de Anízio Vianna, no texto “Performance-cidadã”, integrante da parte III do livro, “Teatro, Dança, Música – Poiesis e Performance”. Anízio define o Rap de maneira lapidar, diz ele: “Entendo-o (o Rap) como uma manifestação poética que ocorre em três níveis (escritural, musical e corporal) totalizados na performance. Se manifestação poética há que se perguntar a 'linha evolutiva' dessa literatura. Para tanto, insiro o rap dentro de uma tradição vernacular africana de poesia oral que o antropólogo Edimilson de Almeida (2003) denominou Literatura Silenciosa. Literatura Silenciosa é toda literatura que se dá à margem do cânone e não nutre nenhum desejo de diálogo com as instâncias legitimadoras. Mas por que literatura? Porque faz uso da palavra poeticamente trabalhada. Todavia, palavra arquivada no corpo e que constitui o repertório de comunidades inteiras. No rap a palavra é a força motriz na qual a poesia encontra no corpo do rapper seu veículo de expressão. O corpo é a mídia do rap. Mídia que, historicamente, sempre antecedeu o livro” (p.141). O autor é corajoso porque faz auto-crítica, reconhece os limites acadêmicos, os próprios limites como acadêmico (sem proselitismo) para decodificar a linguagem do rap e do rapper. Assim declara: “A ausência de privacidade e de apreço pelo espaço privado onde se vive faz com que a poesia-rap seja um investimento no corpo. Esta se diferencia da poesia canônica porque o seu eu não é o eu da individualidade capitalítica, ou o eu ‘burguês, introspectivo, da nossa tradição universitária’. Em Sou Negão (referência à música analisada anteriormente), temos um eu-comunitário. Acompanha-o referenciais ético-estéticos e, sobretudo, étnicos nomeados na letra e que legitimam a tese do corpo: ‘Só mais um neguinho pelas ruas da vida’. Mas a aparente fragilidade desse ‘neguinho só’ traz a força de um sujeito-homem, de um homem-coletivo que tem o maior dos poderes. O poder de dar voz a si mesmo: ‘se eu tô com o microfone é tudo no meu nome’. Então, o eu-comunitário abandona a sua condição de objeto (de estudo, de dissertação!) e passa a dizer com a sua voz sobre o corpo e a cor” (p.153). Para finalizar os comentários, destaco o artigo de Jussara Santos, conterrânea e contemporânea, embora mais experiente, como gosto de lembrar. O texto “Palavra poética em transe/trânsito: manifestações pelos sete buracos da minha cabeça” é o que mais me tocou. É necessário dizer que o fato de abordar a obra de um mestre de todas nós, Edimilson de Almeida Pereira, conta. E é uma obra tão múltipla que os encantos e encontros proporcionados por ela vão tomando os sete buracos da nossa cabeça. (...) “Quem não risca não sabe os rios da palavra, o labirinto de haver escrito sem estremecer: Eu mesmo me avio: parceiro da chuva, do capim-cebola preparo um livro de cortar. E se perguntam: ainda não é manhã? É quando eu no verbo faço manhã ou noite. A treva é a escrita, nem mais, nem pois. Deus não entortou linhas porque escrevia canhoto? Medo o só da escrita com leitor viajante. Mas se há leitor de lidas, a e b são histórias infernas. Com modos e truques de ouvir”. (Edimilson de Almeida Pereira, epígrafe do texto de Jussara Santos). Tenho, entretanto, uma discordância de Jussara, ela nos diz: (...) “Busco aqui refletir o tratamento dado à palavra pelo poeta e a relação dessa palavra com o universo negro, afro-brasileiro ou afrodescendente. Edimilson de Almeida Pereira integra uma vertente poética que tenta transgredir uma tradição de literatura afro-brasileira ou afrodescendente que se fecha na cor da pele (grifo meu). Entendendo a poesia como espaço de provocação do diálogo e de busca de experimentação de novas sensibilidades, a construção poética de Almeida Pereira parece movida pelo esforço de conhecer a potencialidade da palavra no resgate das tradições africanas, enquanto elementos significativos da cultura negra ou afrodescendente. Na experimentação da linguagem, dialogam, portanto, o passado – ao qual o poeta sabe pertencer – e o presente, que se mostra no conjunto de relações que o poeta vivencia”. Minha discordância está na expressão cor da pele, que considero ultrapassada, despolitizada e pobre, mesmo que autores do Quilombhoje e Adão Ventura, para citar alguns protagonistas importantes da literatura negra, a utilizem, penso que uma analista de fôlego como Jussara Santos precisa ir mais longe. Eu falaria de um pertencimento racial fechado no corpo, circunscrito ao corpo - favor não confundir com o corpo fechado, coisa boa e salutar. No mais, o texto deve ter me tocado porque fala do caminho que escolhi, o de me valer e me estabelecer no mundo literário pela força da palavra. Da palavra que tem força ancestral, força de amor, de liberdade e de humanidade e está ligada na correria da quebrada.

Comentários

r.c. disse…
Olá, Cidinha.
Hoje eu finalizei a leitura do seu livro. Gostei muito, de verdade. Muito bem escrito, contos irônicos, ácidos, sem perder o humor. Parabéns pelo trabalho.
Só uma reclamação: queria mais - rs.
Abraço,

Rodrigo
Anônimo disse…
Obrigado pelas palavras. Anizio Vianna

Postagens mais visitadas